segunda-feira, 21 de março de 2016

O povo de Aécio

Quem saiu às ruas no domingo 13 não representava o conjunto da sociedade. Era rico, branco e eleitor do tucano

por Marcos Coimbra

O sistema político foi dormir menos sobressaltado, mas ainda preocupado, depois das manifestações do domingo 13. Nada de verdadeiramente novo aconteceu “nas ruas” e o fato significativo foi de que algumas nuvens no horizonte ficaram mais escuras. 

A mídia procurou amplificá-las, em manchetes de jornal e na cobertura intensiva na televisão. Chamou os acontecimentos de “maior ato da história”, em risível exercício de negação da própria história. Maiores que alguns protestos na década de 1960, como a Passeata dos 100 Mil, no Rio de Janeiro? Maiores que as manifestações em favor das eleições diretas nos anos 1980?

Pretender que eventos tão distantes sejam comparáveis é forçação de barra. Em um Brasil com um terço da população atual e em plena ditadura, 100 mil cidadãos nas ruas para protestar significam muito mais do que foi visto agora na Praia de Copacabana. Os “comícios das Diretas” não foram simultâneos e os participantes tinham consciência do risco que corriam ao confrontar o regime militar. Como dizer que foram menores?  

Em relação às manifestações, tanto no dia 13 quanto ao longo de 2015, a questão relevante nunca foi de “quantos”, mas de “quem”. É exatamente o inverso das mobilizações durante a ditadura, nas quais a quantidade era atributo fundamental, a ponto de aquela “dos 100 mil” haver se tornado memorável pelo simples fato de atrair tanta gente.  

Embora as pesquisas a respeito das características dos manifestantes do domingo tenham sido feitas em poucas cidades, revelam um quadro sempre igual: quem foi às ruas não espelha nossa sociedade.  

Seria de se esperar que a principal diferença entre eles e aqueles que não aderiram às passeatas estivesse no grau de interesse e de envolvimento com a política: os motivados saíram de casa e os desmotivados ficaram (ou foram fazer outra coisa). Mas não é isso que as pesquisas mostraram.

Os manifestantes não representam a parcela politicamente mobilizada da sociedade, apenas um segmento dela. Não são “o Brasil que se opõe” a alguma coisa, mas uma parte que não expressa o todo, nem do ponto de vista socioeconômico nem em termos político-partidários. 
 
Em todas as cidades, as pesquisas apontaram que os participantes eram mais ricos, tinham mais educação formal e eram mais brancos que a média da população. Que a proporção de cidadãos mais velhos era maior, assim como a de empresários e profissionais liberais. 

O mais importante é, porém, o fato de os manifestantes não exprimirem a diversidade de opiniões existente na sociedade. Em São Paulo, 79% daqueles que participaram do ato votaram em Aécio Neves em 2014. Em Porto Alegre, 76%. Nas duas cidades, somente 3% dos entrevistados disseram ter votado em Dilma Rousseff. 

Não se trata apenas de ricos e brancos. Quem desfilou pelas ruas é fundamentalmente rico, branco e eleitor de Aécio Neves. É esse o perfil de quem atendeu às convocações dos partidos políticos, das lideranças e dos meios de comunicação claramente oposicionistas.

Ao se considerar o vasto investimento na organização das manifestações e o esforço da mídia, em especial do Sistema Globo, para engrossá-las, o acréscimo nos números, em relação ao início de 2015, foi modesto. Não conseguiram que crescessem como desejavam e foram incapazes de diversificar e ampliar o recrutamento de participantes, a fim de torná-los mais representativos.   

Além dessa mídia, que pôde perceber que seu poder é menor do que imaginava, quem deve estar preocupada é a oposição. Se em São Paulo quase 80% dos manifestantes eram eleitores do PSDB, como justificar as vaias recebidas por seus expoentes? Como explicar que o antigo eleitorado tucano prefira opções ainda mais à direita? Quem achava que mais lucraria ao acender a fogueira saiu chamuscado. 

Tanta coisa aconteceu de domingo para cá que as manifestações parecem longínquas. Mas é bom ter em mente o que foram efetivamente, para evitar a prevalência de versões falsificadas capazes de atrapalhar a interpretação do nosso momento tão delicado. O “povo brasileiro” não se manifestou, mas os eleitores de Aécio. Tinham todo o direito de fazê-lo, mas não são o País. 
Marcos Coimbra é diretor da Vox Populi.
Publicação no www.cartacapital.com.br

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