quarta-feira, 13 de agosto de 2014

O jeito paulista de fazer política, por Rudá Ricci.



Se o jeito mineiro de fazer política é o mais português e feminino de todo o país, o jeito paulista é o mais norte-americano e masculinizado. Como sou paulista migrante, que vive em Minas Gerais, tenho um olhar caolho sobre a política dos dois Estados. Com este olhar que mira um com parte da visão no outro, vou me arriscar a sugerir um decálogo do jeito paulista de fazer política. Devo perder alguns amigos, mas nunca me acusarão de perder a piada. Vamos ao decálogo.

1) Auto-suficiência

Todo político paulista acredita que nasceu para ser governante do país. Sendo poder em São Paulo, não haveria motivos para não dirigir o país. Afinal, São Paulo é a sexta maior cidade do planeta; tinha o maior acervo de cobras do país (acabou sofrendo o maior incêndio contra o maior acervo de cobras do país); centro corporativo e financeiro da América Latina; é a décima cidade mais rica do planeta; maior população do Brasil; maior registro de migrantes; motor econômico, responsável por 1/3 do PIB nacional. Todos estes dados são ouvidos pelos paulistas desde que nascem. Imaginem o que as mães dos políticos falam para eles desde pequenos? Paulista dificilmente pensa nos outros Estados como iguais. Há, é verdade, uma ponta de inveja em relação aos cariocas, com seu charme praiano. Se um carioca tiver interesse em provocar um paulista, basta dizer que paulista trabalha para carioca poder aproveitar a praia;

2) Arrogância

A conseqüência natural de todo pensamento acima é uma arrogância espontânea de todo político paulista, independente de partido. De Maluf à Marta Suplicy, passando por Serra e FHC, todos destilam este olhar altivo, sempre mirando acima do ombro do interlocutor. Não fala com dúvida. Paulista dificilmente tem alguma dúvida sobre qualquer assunto que diz respeito ao Brasil. A fala é meio que definitiva. Afinal, o Estado sempre deu certo. Há, em toda fala de político paulista, algo de pensamento linear do antigo conceito de progresso. São Paulo, evidentemente, estaria na linha final do progresso. Todos outros Estados estariam abaixo do ranking, tentando chegar ao que São Paulo já é;

3) Ética do Sucesso

Até aqui, político paulista parece uma ave de rapina, olhando fixo para sua presa. Mas é aparência. Paulista sofre consigo mesmo. Ele é seu principal inimigo. Todo paulista procura o sucesso. Sem sucesso é visto como fracasso. Não há meio termo. É fundamental que seja o primeiro em algo. Daí político paulista ter sido sempre o primeiro a construir ou criar algo. O sofrimento é atroz porque é preciso assistir todos os filmes comentados por críticos, todos jogos de futebol transmitidos pelos canais à cabo (não vale canal aberto), fazer todas coleções da revista Caras, reproduzir sem gaguejar o obituário do dia anterior, saber os shows de rock que São Paulo sediará nos próximos cinco anos e assim por diante. Um sofrimento. Tempo é dinheiro ou sucesso. Não existe possibilidade de beber uma cerveja com um amigo depois do expediente sem que não ocorra alguma disputa enciclopédica. Mesmo que seja para discorrer sobre todas cervejas do mundo, seus diversos sabores e harmonização;

4) Disponibilidade total para a guerra

O sucesso no encalço faz do político paulista um guerreiro. Sempre está preparado para o ataque, desde o primeiro “bom dia”. A derrota, assim como para o norte-americano, é declaração de incompetência. É sofrido, acreditem;

5) Força com pouca astúcia

Como sempre está preparado para o ataque, a força é sempre mais cortejada e valorizada por um político paulista que a astúcia. Para que, afinal, perder tempo? Trata-se da fase anterior à Maquiavel, quando os romanos acreditavam que virtú significava virilidade. Daí o jeito masculinizado de fazer política. Todo político paulista escamoteia para não revelar seu lado agressivo e guerreiro. Como escamotear é perda de tempo, não consegue iludir por muito tempo. Não que não saiba encenar – afinal, “todo ator paulista é melhor” -, mas tem hora para tudo;

6) Estresse

Todos pontos anteriores deságuam no estresse extremo. Político paulista à altura do nome é sempre estressado, dorme pouco, memoriza todos os dados, não improvisa, está sempre atrasado (porque dá a sensação que sempre faz muita coisa importante que o atrasa), deveria comer melhor (mas não tem tempo para questões secundárias), poderia ter tirado 10 ao invés de 9,75 e assim por diante. As olheiras são um adorno que prova que é paulista da gema;

7) Ansiedade travestida de racionalidade

Todo político paulista é ansioso. Mas como bom paulista, não pode revelar este traço de falibilidade. Assim, a ansiedade ganha uma vestimenta providencial: o de racionalidade. Quem é racional não gosta de firulas. É direto, objetivo, “doa a quem doer”. Tem algo de gente que parece pouco educada, pouco afável. Não é o que parece. É ansiedade. Paulista tem que correr atrás do sucesso. E, lembre-se: assim que atingir o sucesso almejado, começa nova campanha (já que o sucesso passa a subir de patamar!);
8) Impessoalidade

Tal ansiedade-racionalidade leva à total impessoalidade. Cheira a populismo e falta de tempo o sorriso. Graça ou humor é infantilismo. Perda de tempo. Dizer bom dia ou boa noite é perda de tempo. Ser delicado é perda de tempo. Seria um preâmbulo desnecessário. O foco é o sucesso. Tudo tem que ser muito prático e objetivo. Para político paulista, às vezes o fim justifica os meios. Lembrar de um nome e do passado vale a pena se leva a ganhar pontos no presente e futuro. Caso contrário, é perda de tempo;

9) Corrida contra o tempo

Por este motivo, o tempo é mais veloz para os paulistas. Sempre falta tempo. E o trânsito ainda ajuda a potencializar esta sensação. A conquista do sucesso (e a ansiedade) aumenta a correria. Por este motivo é sempre difícil caminhar com um paulista. Se for paulistano é quase impossível. Em pouco tempo dá a sensação que estamos disputando uma maratona. E, às vezes, o que parece é o que é;

10) Demonstrações públicas

Por tudo o que se disse anteriormente, político paulista é o mais performático de todos brasileiros. Tudo se faz em público. Lembro de Jânio Quadros jogando o livro que Franco Montoro acabara de ler, em pleno debate na televisão. Recordo de Suplicy levantando o cartão vermelho no Senado. Até o ataque ao adversário do mesmo partido tem que ser performático. Porque é preciso que todos saibam do poder que se tem. O político paulista até sabe que não seria bom revelar o quanto é agressivo e competitivo. Mas não consegue se conter. É por demais saboroso o gosto da vitória.


Publicado no site www.rudaricci.com.br


Rudá Ricci é cientista político. Foi professor de diversas universidades mineiras como a PUC-MG,  Newton de Paiva e Faculdade Dom Hélder Câmara. Autor de vários livros, sendo os mais recentes Lulismo,  sobre um novo ciclo político no Brasil, e Nas Ruas, sobre as manifestações populares de junho de 2013..

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