quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Protestos contra APERAM e empresas de reflorestamento tomam conta da Audiência Pública na Assembléia Legislativa

Comunidades rurais do Jequitinhonha querem revisão fundiária.

Povos tradicionais denunciam privatização de recursos naturais por empresas de monocultura de eucalipto.acebook Email Versão para impressão

Audiência reuniu grande número de moradores do Vale do Jequitinhonha. - Foto: Willian Dias





















Nunca uma empresa de reflorestamento teve tantos protestos quanto a APERAM Bioenergia S.A. sofreu na tarde e noite, dessa terça-feira, 19.11, na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. Em Audiência Pública, promovida pela Comissão de Participação Popular, trabalhadores rurais, lideranças comunitárias,  representantes de povos tradicionais, vereadores, sindicalistas, prefeitos, técnicos, pesquisadores de Universidades e a AGE - Advocacia-Geral do Estado mostraram dados das ações de terra arrasada promovida pela empresa APERAM em seis municípios do Alto Jequitinhonha, no nordeste de Minas: Capelinha, Carbonita, Itamarandiba, Minas Novas, Turmalina e Veredinha.
Presença maciça de lideranças comunitárias, vereadores e prefeitos do Alto Jequitinhonha.
Foto: Wiliam Dias.
A Audiência Pública que durou das 14:30 às 20:30 h, denunciou a privatização das terras devolutas e apropriação de recursos naturais, principalmente dos recursos hídricos. 
Os participantes reivindicam a revisão do processo de regularização fundiária envolvendo os seis municípios da região e condenam a destruição do meio ambiente na região por grandes corporações, como a Aperam e a Arcelor Mital. Essa empresas  têm forte intervenção no modo de vida das comunidades, com ações predatórias no plantio e colheita do eucalipto em larga escala para a produção de carvão com a finalidade de abastecer os polos siderúrgicos do aço, na região Central de Minas Gerais.


Foto: Wiliam Dias.
Histórico
Conforme as denúncias, os problemas socioambientais surgiram com a instalação na região, nos anos 1970, de empresas de exploração de florestas, e se agravaram posteriormente, a partir de acordo de demarcação de terras firmado entre elas e o Governo do Estado, sem consulta à população.
No início do processo, a situação envolvia a estatal Acesita, em 1976, depois transformada em empresa de economia mista e mais tarde vendida ao capital estrangeiro.  Primeiro, para a Arcelor MIttal. Depois, para a APERAM.                                                                                                                                                                                                                                  As comunidades questionam o processo, alegando que a situação fere a soberania nacional, por se tratar de uma empresa de capital estrangeiro. E pedem a revisão da situação fundiária. 
Faustina Lopes da Silva, de Turmalina. Foto: Willian Dias
“Queremos nossa chapada protetora das águas de volta, queremos nossas veredas protegidas, elas são nossa herança. Não temos para onde ir. É lá que é nosso chão”, clamou, em um discurso emocionado, a líder comunitária Faustina Lopes da Silva, trabalhadora rural de Turmalina.
Pesquisadores denunciam monopólio das águas
Pesquisadores como a antropóloga Flávia Maria Galizoni, professora associada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), campus Montes Claros, atribuem o agravamento da escassez de água na região à ação das madeireiras, que estariam privatizando as terras e os recursos hídricos.
Professora Flávia Galizoni, da UFMG, observada pelos deputados Jean Freire (PT) e Gustavo Valadares (PSDB). Foto: Willian Dias.
“A partir dos anos 70, todo o Cerrado foi alvo de um processo de privatização seletiva da chapada de veredas, afetando diretamente as comunidades tradicionais”, afirma Flávia, que denuncia “a privatização e o monopólio das águas e o alto nível de concentração de terras na região”.
Foto: Álbano Silveira.
Foto:Álbano Silveira
Foto: Álbano Silveira.
Segundo ela, 25% do município de Veredinha, hoje, estão sob o domínio da Aperam; em Itamarandiba, 21%; e em Turmalina, 7%. Em Carbonita, disse, o índice é de apenas 1%, porque lá predomina a empresa Arcelor Mital. Esses números, explicou, não contabilizam outras empresas de menor porte, que também destroem as matas nativas para plantação de eucalipto.

Plantio de eucalipto gera poucos empregos
As companhias se defendem alegando que levam progresso e desenvolvimento à região, garantindo emprego e renda para a população. 

De acordo com os pesquisadores, porém, esses dados são irrelevantes. Dados da própria Aperam, segundo a professora, atestam que, em 2016, a empresa empregou 1.036 trabalhadores, o que representa não mais que 0,78% da população, correspondendo a um emprego para 125 hectares de eucalipto plantados. “A agricultura familiar gera um emprego a cada quatro hectares; o café, um a cada cinco; e a criação bovina precisa de 40 hectares para a geração de um emprego”, argumenta.


Foto: Álbano Silveira

“A região tinha um ambiente biodiversificado, complexo, agora transformado em um ambiente homogêneo de monocultura, que seca rios, nascentes e lagoas e destrói o modo de vida das comunidades”, lamentou, denunciando que 52% das famílias da região recebem menos de 75 litros de água por dia e que mais de 22% dependem inteiramente de caminhões-pipa. 


Enquanto a biodiversidade do cerrado absorve 50% da água que cai da chuva, o plantio da monocultura de eucalipto segura apenas 29% de infiltração hídrica.
Em Turmalina, relatou, o poder público gasta em média, por ano, cerca de R$ 350 mil reais para abastecer as comunidades de água, “recursos que poderiam ser investidos em áreas como saúde e educação”.
Os pesquisadores Clebson Sousa, da UFVJM; Flávia Galizoni, da UFMG; e Vico Mendes, do IFNMG; e a lavradora Faustina Lopes, de Turmalina. Foto: Álbano Silveira.
Com ela, fazem coro, também, os pesquisadores Aderval Costa Filho, antropólogo da UFMG e coordenador do Projeto de Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais; o engenheiro agrícola Vico Mendes Pereira Lima, do IFNMG; e Clebson Souza de Almeida, professor do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
Vereador Cleuber Luiz (PSC), de Capelinha, cobrou doações de terras da APERAM para projetos sociais e econômicos do município. Foto: Álbano Silveira.

O vereador Cleuber Luiz (PSC), de Capelinha, rebateu a afirmativa que a APERAM havia doado 32 mil hectares para o Estado para regularização fundiária. A empresa não doou sequer 50 hectares para o futuro campus da UFVJM. A Prefeitura Municipal se propôs a desapropriar a área. A avaliação da APERAM sempre subia o preço, contestando valores na justiça. Nem mesmo doou uma área para o aterro sanitário, como também não se dispôs a doar para a instalação de um Distrito Industrial.
Warlen Francisco (PT), vereador de Turmalina, denunciou o secamento de veredas. Foto: Álbano Silveira. 

O vereador Warlen Francisco (PT), de Turmalina, referendou os resultados da pesquisa sobre os efeitos do plantio da monocultura de eucalipto, dizendo que diversas veredas secaram e até mesmo barragens construídas pela empresa se esgotaram.
O vereador Heli, e também presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itamarandiba, acusou a ex-Acesita, atual APERAM, na apropriação fraudulenta de terras dos povos do cerrado. Foto: Álbano Silveira.

Heli do Sindicato, vereador de Itamarandiba, denunciou que a ex-Acesita forjou documentos na era da ditadura militar, na década de 70, para legalizar terras  devolutas como seu patrimônio, que pertencia ao patrimônio dos territórios de agricultores familiares e quilombolas. E expulsou muitas famílias, expropriando suas vidas, de forma violenta e desumana, finalizou.

Procurador do Estado garante que terras são dos povos do cerrado
O procurador do Estado, Romeu Rossi, da AGE - Advocacia Geral do Estado, afirmou que 57 mil hectares de terras apropriadas pela empresa estrangeira, de capital indiano, APERAM, pertencem aos povos originários. O Estado não poderia, de forma alguma, doar tais terras a uma empresa estrangeira, pois é proibido por lei, fere a soberania nacional, afirmou o advogado. Ele se disse feliz com as comunidades se movimentando exigindo os seus direitos. Informa que esteve na região, realizando audiência pública em Minas Novas, constatando que antes da chegada da monocultura do eucalipto, havia milhares de famílias que foram expulsas de seus terrenos.


Advogado Romeu Rossi, da AGE, garante que as terras devolutas são das populações originárias, contestando a doação à APERAM, uma empresa estrangeira. Foto: Álbano Silveira.

As prefeituras municipais dos seis municípios do Alto Jequitinhonha se juntam em propostas de uniformizar a legislação ambiental e tributária em referência ao plantio da monocultura de eucalipto, afirmou o prefeito de Itamarandiba e presidente da AMAJE - Associação dos Municípios do Alto Jequitinhonha, Luiz Fernando. Ele fez questão de registrar as presenças dos prefeitos de Turmalina, Carlinhos Ferreira; Tadeu Filipe, de Capelinha; Aécio Guedes, de Minas Novas; Lázaro Neves, de Berilo; e Edilson Nunes, de Veredinha.

Empresas se defendem e apontam avanços
Já o professor de Política Florestal e Legislação da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Sebastião Renato Valverde defende que as empresas, hoje, produzem “de forma sustentável, ambientalmente correta, com respeito às comunidades locais e com preocupação social”.
“Temos que entender as circunstâncias em que se iniciaram os empreendimentos. Hoje, a dinâmica é outra. Se temos problemas, vamos corrigir. Há 40 anos não tínhamos apoio de antropólogos e sociólogos. Hoje temos”, sustentou.
Daniel Alexander Fernandes Coelho e Renato Pirfo Diniz, gerentes-executivos da Aperam BioEnergia, também contestam as denúncias. Segundo Renato, “é um equívoco associar a Aperam a terras devolutas, porque a empresa adquiriu legalmente todas as terras que ocupa”. Além disso, recorda que pelo acordo firmado com o governo em 2011, a empresa abriu mão de 32 mil hectares de terras para acomodar quilombolas e posseiros.
No desenrolar do processo, a empresa recorreu à Justiça Federal e recebeu sentença favorável, cabendo ao Estado o compromisso de devolver terras à Aperam, explicou.
Seu colega Daniel Alexander rejeita a acusação de que a empresa é responsável pela escassez de água na região, atribuindo o fenômeno “à crise hídrica”. “Nunca, nos últimos 45 anos, tivemos uma crise de desabastecimento tão grande como agora”, afirmou.
Parlamentares se dividem 
Natural e morador do Vale do Jequitinhonha, o presidente da Comissão de Participação Popular, deputado Doutor Jean Freire (PT) e autor do requerimento para a realização da Audiência Pública, defendeu o ponto de vista das lideranças comunitárias e da maioria dos pesquisadores. “Sou filho e morador do Vale, conheço a difícil convivência com a seca e os problemas enfrentados pela população local”, disse. Afirmou que não reconhece floresta de um pau só, o eucalipto. Floresta significa diversidade, como o cerrado, onde Deus escreveu com árvores tortas a vida certa de chapadeiros, geraizeiros, quilombolas e agricultores familiares.
Já o deputado Gustavo Valadares (PSDB) e a deputada Rosângela Reis (Pode) conclamaram todos a buscarem o diálogo e o consenso, ressaltando que a situação, hoje, é muito diferente dos anos 1970. “Sugiro que a empresa se aproxime dos municípios e crie um fórum permanente com prefeitos e vereadores”, disse Valadares, para quem “não existe correlação única e exclusiva da escassez de chuva com a monocultura do eucalipto”.
José Ricardo Ramos Roseno, da Subsecretaria de Assuntos Fundiários da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, disse que o governo está empenhado na regularização fundiária, já tendo entregue mais de 300 títulos ao município de Minas Novas e mais de 50 em Turmalina. Até o final de novembro disse que deverá estar concluída a regularização na região.

Presentes na Mesa de Expositores da Audiência Pública
  • Daniel Alexander Fernandes Coelho (representando Angélica Fabiana Batista Pimenta de Fiqueiredo)
    Gerente Executivo - Aperam BioEnergia
  • Murilo Barbosa Horta
    Presidente do Sindicato Rural de Capelinha
  • Vico Mendes Pereira Lima
    Engenheiro Agrícola, Diretor de Pesquisa do IFNMG, do NPPJ
  • Renato Pirfo Diniz (representando Angélica Fabiana Batista Pimenta de Fiqueiredo)
    Gerente Executivo Jurídico da Aperam BioEnergia
  • Luiz Fernando Alves
    Prefeito - Prefeitura Municipal de Itamarandiba
  • José Ricardo Ramos Roseno
    Subsecretário - Subsecretaria de Assuntos Fundiários da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento
  • Alan Oliveira dos Santos
    Integrante da Equipe Técnica do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica
  • Flávia Maria Galizoni
    Antropóloga, Professora Associada UFMG, do NPPJ
  • Clebson Souza de Almeida
    Prof. do Curso de Licenciatura em Educação do Campo - UFVJM
  • Faustina Lopes da Silva
    Representante das Comunidades Rurais de Turmalina
  • Aderval Costa Filho
    Prof. Dr. em Antropologia da UFMG - Coordenador do Projeto de Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais
  • Romeu Rossi
    Procurador - Advocacia-Geral do Estado
  • Sebastião Renato Valverde
    Diretor-Geral da Sociedade de Investigações Florestais - SIF - Universidade Federal de Viçosa
Mais gráficos apresentados na Audiência Pública






Fotos: Álbano Silveira

Esse post/texto contém informações da Assessoria de Comunicação da Assembléia Legislativa de Minas Gerais.

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