segunda-feira, 4 de novembro de 2019

OS RIOS NA CURVA DA MORTE , poesia de Gonzaga Medeiros

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Gonzaga Medeiros*
Deus, recentemente,
curioso sobre a sorte dos rios
que Ele criou para sustança da vida,
do alto do céu fez uma chamada solene:
- Rio Mucuri!
E uma voz cavernosa respondeu:
- Ausente!
Estranhou Deus o “ausente” daquela voz,
mas prosseguiu ternamente, como só Ele pode:
- Rio Jequitinhonha!
E a mesma estranha voz novamente se apresenta:
- Ausente!
Agora empertigado, triste até,
com fala já embargada,
Deus a última chamada fez:

- São Francisco, meu Velho Chico!
E a voz, agora em tom de galhofa:
- ausente, Senhor, ausente!
- Mas ausente, como?
Indignou-se o Supremo Criador e a voz completou solenemente:

- O Mucuri agora se desidrata pelo caminho do mar que eu sapequei com sol ardente.
E continuou a voz se deleitando:
- O Jequitinhonha,
esse teve sorte mais desalmada:
depois de se esfolar na boca das serpentes de aço,
na extração dos caros minerais na região de Diamantina, desceu se arrastando pelo seu leito esquelético, evaporou-se no Salto,
virou Fumaça no Tombo
e já é Divisa de outros interesses...

Antes que Deus novamente a inquirisse,
a voz apressou-se em desdenhar:
- O São Francisco, seu Velho Chico, como dizeis,
vai doar infecto sangue ao povo do Nordeste,
por ordem do governo,
antes que ele rio morra e que o povo,
quase sempre de cabeça exangue,
pare de doar ao governo seus votos de confiança.
Aí Deus insurgiu-se:
- Mas quem sois vós que respondeis
assim tão prontamente
ao que pergunto sobre meus rios amados?
- A morte!
- Respondeu a própria, estrepitosamente,
numa gargalhada a muitas vozes,
lançando uma tenebrosa profecia):
- Morreu, mas se aos vossos olhos ainda não,
basta que doravante, como outrora,
a vossa mão de povo se ausente
ou se presencie uma demora
e é certo que vossos rios perecerão!

*Gonzaga Medeiros é poeta, contador de causos, produtor cultural, agente cultural, animador de eventos. Em outros momentos, é advogado. Tem suas criações com inspirações na vida do povo do Vale do Jequitinhonha, de onde veio. Volta lá, de vez em sempre.

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