quarta-feira, 10 de julho de 2019

Criada Frente Parlamentar Em Defesa do Semiárido, no norte de Minas e Vale do Jequitinhonha

País tem dívida histórica com povos do semiárido

Reunião desta terça-feira (09.07) debateu a questão central do acesso à água, soberania e segurança alimentar.

No Brasil, 1.262 municípios, 12% da população nacional e 38% da população rural estão no território do semiárido

“O País tem uma dívida histórica com os povos do semiárido, que inclui populações tradicionais, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos, vazanteiros, geraizeiros e outros”, disse a coordenadora nacional da Articulação dos Povos do Semiárido (ASA), Valquíria Alvez Smitz Lima. Criada há 20 anos, a ASA conta com mais de três mil entidades associadas em todo o País. 

Ela foi uma das participantes da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta terça-feira (9/7/19). A reunião teve o objetivo de debater a soberania e segurança alimentar, o acesso à água para o abastecimento humano e para a produção de alimentos, na perspectiva da convivência com o semiárido, tendo em vista o agravamento das condições climáticas e o refluxo nas políticas públicas nos últimos anos.

Valquíria lamentou os cortes em políticas sociais em nível nacional e estadual, nos últimos anos, acrescentando que “nenhum dos avanços obtidos teria sido possível sem um diálogo entre sociedade e governo”. “E o Governo de Minas tem que entender isso”, afirmou.

Valmir Soares de Macedo, de Turmalina, no Alto Jequitinhonha, da coordenação estadual da ASA Minas, criticou as “políticas que beneficiam grandes empreendimentos como a monocultura do eucalipto e a mineração, que resultam em prejuízos para as populações”. Reconheceu, porém, que a presença do governador Romeu Zema, em fins de junho, em regiões do semiárido mineiro, “trouxe alguma esperança”.

Presente em todo o semiárido brasileiro, o movimento congrega mais de 3 mil entidades. Em Minas Gerais, uma rede de 120 organizações, com o objetivo de garantir o acesso à água e fortalecer a soberania e segurança alimentar.
Com o programa Um Milhão de Cisternas, já beneficiou 210 mil mineiros. É o maior programa de acesso à água do mundo, premiado internacionalmente.

Acesso à água - A Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos foi presidida pela deputada estadual Leninha (PT). Segundo ela, nos últimos 15 anos o Norte do Estado e o Vale do Jequitinhonha avançaram no desenvolvimento de tecnologias de armazenamento da água de chuva. Para esse trabalho, disse, foi fundamental o papel da ASA, que disseminou o conceito de convivência em contraposição ao combate à seca.

A presidenta da comissão afirmou que “o direito à água deve ser garantido por orçamento e políticas públicas destinados à convivência com o semiárido”. Nesse sentido, defendeu o diálogo entre governo e organizações da sociedade.
Deputado estadual Jean Freire e deputada Leninha coordenam a Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido.
Lançada a Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido
A solicitação de abertura da Frente foi realizada pelo deputado Dr. Jean Freire e sua organização tem sido feita em parceria com a deputada Leninha (PT). Dr. Jean faz questão de ressaltar a importância de entidades parceiras que atuam nesta área. “Fico feliz de estarmos lançando essa Frente. E dizer que essa Frente, como tudo tem que ser, não é de uma cabeça só ou de uma mão só. É uma frente de muitas mãos e de muitas cabeças” , disse. 
A principal razão para a abertura da Frente Estadual é debater a soberania e segurança alimentar, o acesso à água para o abastecimento humano e para a produção de alimentos, na perspectiva da convivência com o semiárido, tendo em vista o agravamento das condições climáticas e o refluxo nas políticas públicas nos últimos anos. 
O semiárido mineiro tem 91 municípios, sendo 60 no norte de Minas, 30 no Médio/Baixo Jequitinhonha e 01 no Vale do Mucuri.
Durante o debate, Marilene Faustino Pereira, da Secretaria de Políticas Agrárias e Meio Ambiente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAEMG), de Capitão Enéas, no norte de Minas,  disse que “o problema não é a seca, são as cercas” e, assim como o acesso à água, defendeu também o acesso à terra.  O agricultor Jorge Rodrigues, da Cáritas, de Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha, disse que “não adianta ter caminhão-pipa se não tiver cisterna para armazenar a água”. 
Entre outras demandas, o documento reivindica a aprovação do Projeto de Lei (PL) 3.968/16, de autoria do então deputado estadual Rogério Correia, que institui a Política Estadual de Convivência com o Semiárido e o Sistema Estadual de Convivência com o Semiárido. O PL estabelece parâmetros e prioridades para o desenvolvimento sustentável e solidário do semiárido mineiro e requer a universalização do acesso à água com qualidade e quantidade adequadas.
Ao final da audiência, o deputado Dr. Jean Freire ressaltou a importância do trabalho desenvolvido por organizações como o Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV), de Turmalina, a Cáritas e a ASA, que investem os recursos de maneira responsável e eficiente, sobretudo no que diz respeito à captação de água por meio do uso de tecnologias sociais, como a construção de caixas d’água e sistemas de captação de água da chuva. 
O deputado também destacou a importância das entidades e dos trabalhadores no desenvolvimento da Frente. “Ela não pode existir sem vocês, que fazem um belíssimo trabalho. Os protagonistas têm que ser vocês”

A  deputada Leninha reforçou a necessidade de garantir políticas públicas para o semiárido, mas com uma concepção de convivência com o bioma, executando ações concretas do governo em parceria com a ASA e suas diversas instituições

“É no semiárido que a vida pulsa, é no semiárido que o povo resiste”
Maquete representa a vida de agricultores no semiárido e sua luta pela água
Maquete representa a vida de agricultores no semiárido e sua luta pela água - Foto: Clarissa Barçante
Com essa palavra de ordem repetida diversas vezes, o público presente à Audiência, composto, em sua maioria, por pequenos agricultores, defendeu o conceito de convivência com o semiárido por meio de políticas públicas e a partir do diálogo com a população. 
Foi o caso de Marlene Ferreira da Silva, agricultora de Capitão Enéas (Norte). “Água potável é direito de todos nós, para termos saúde e boa alimentação”, afirmou.
Ex-ministro alerta para a ameaça à vida
No lançamento da frente estadual, esteve presente também o deputado federal Patrus Ananias (PT-MG), natural de Bocaiúva, no  norte de Minas, secretário-geral da Frente Nacional de Defesa da Convivência com o Semiárido, ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no Governo Lula, e do Desenvolvimento Agrário, no Governo Dilma.
“Teoricamente, a água é um bem comum, mas hoje está se tornando escassa, porque a terra é a guardiã das águas, mas no Brasil o direito de propriedade é muito atrasado, data do século XIX. A função social da terra está presente em todas as Constituições desde 1934, mas nunca foi de fato respeitada. O direito à propriedade pressupõe também um compromisso com o bem comum”, declarou o ex-ministro.
O lançamento da frente também foi celebrado pelo deputado estadual Professor Cleiton (DC). Embora natural de Varginha (Sul do Estado), o deputado salientou que conheceu de perto os problemas da seca porque viveu oito anos no semiárido do Tocantins.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT) também saudou o lançamento da frente e questionou o governo Zema, “que tem como princípio estruturante a ideia de que o Estado é problema e tem que ser retirado da vida das pessoas”. “O Estado tem que estar a serviço das pessoas e da elaboração de políticas públicas”, disse.
Dificuldades - O diretor-geral do Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais (IDENE), Nilson Borges, disse que é um desafio para o órgão atender a todos os 258 municípios em que está presente, devido às restrições orçamentárias. Mas acentuou que é missão do IDENE fortalecer os municípios, gerando emprego e renda e reduzindo as desigualdades, e garantiu que “o Governo de Minas tem isso como prioridade”.
O presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais, Élido Bonomo, criticou o governo Bolsonaro, que propôs o fim dos conselhos sociais e vetou a ida do Consea para o Ministério da Cidadania.

Municípios presentes
Araçuaí, Berilo, Bocaiúva, Capelinha, Capitão Enéas, Coronel Murta, Francisco Badaró, Francisco Sá, Janaúba, Januária, Jenipapo de Minas, Jequitinhonha, Minas Novas, Miravânia, Montes Claros, Porteirinha, São Francisco e Turmalina.
   
Acesse o link:

Mapa do semiárido mineiro com 91 municípios, sendo 60 do norte de Minas, 30 do Médio e Baixo Jequitinhonha, e 01 no Vale do Mucuri.


    MUNICÍPIOS DO SEMIÁRIDO MINEIRO
    MEDIO  JEQUITINHONHA
N.
MUNICÍPIO
POPULAÇÃO (IBGE-2017)
01
Araçuaí
37.361
02
Berilo
12.360
03
Cachoeira do Pajeú
9.479
04
Chapada do Norte
15.675
05
Comercinho
7.599
06
Coronel Murta
9.411
07
Francisco Badaró
10.557
08
Itaobim
21.559
09
Itinga
15.147
10
Jenipapo de Minas
7.672
11
José Gonçalves de Minas
4.631
12
Medina
21.409
13
Monte Formoso
4.936
14
Novo Cruzeiro
31.884
15
Padre Paraíso
20.177
16
Pedra Azul
24.478
17
Ponto dos Volantes
12.138
18
Virgem da Lapa
14.043

     BAIXO JEQUITINHONHA
N.
MUNICÍPIO
POPULAÇÃO (IBGE-2017)
19
Almenara
41.794
20
Bandeira
4.984
21
Divisópolis
10.547
22
Felisburgo
7.431
23
Jacinto
12.561
24
Jequitinhonha
25.560
25
Joaíma
15.634
26
Jordânia
10.901
27
Mata Verde
8.539
28
Rubim
10.377
29
Salto da Divisa
7.127
30
Santa Maria Do Salto
5.381

     VALE DO MUCURI
N.
MUNICÍPIO
POPULAÇÃO (IBGE-2017)
01
Caraí
23.781

      NORTE DE MINAS
N.
MUNICÍPIO
POPULAÇÃO (IBGE-2017)
01
Águas Vermelhas
13.576
02
Berizal
4.720
03
Bonito de Minas
10.951
04
Buritizeiro
28.335
05
Capitão Enéas
15.237
06
Catuti
5.151
07
Cônego Marinho
7.624
08
Cristália
6.042
09
Curral de Dentro
7.623
10
Divisa Alegre
6.625
11
Espinosa
32.214.
12
Francisco Sá
26.428
13
Fruta de Leite
5.709
14
Gameleiras
5.246
15
Grão Mogol
15.931
16
Ibiracatu
6.165
17
Indaiabira
7.524
18
Itacarambi
18.443
19
Jaíba
37.939
20
Janaúba
71.653
21
Januária
68.584
22
Japonvar
8.683
23
Josenópolis
4.877
24
Juvenília
5.860
25
Lontra
9.044
26
Mamomas
6.624
27
Manga
19.372
28
Matias Cardoso
10.999
29
Mato Verde
12.849
30
Miravânia
4.885
31
Montalvânia
15.603
32
Monte Azul
21.783
33
Montezuma
8.168
34
Ninheira
10.375
35
Nova Porteirinha
7.648
36
Novorizonte
5.308
37
Padre Carvalho
6.338
38
Pai Pedro
6.184
39
Patis
5.976
40
Pedras de Maria da Cruz
11.396
41
Pirapora
56.706
42
Porteirinha
38.741
43
Riacho dos Machados
9.672
44
Rio Pardo de Minas
31.016
45
Rubelita
6.789
46
Salinas
41.678
47
Santa Cruz de Salinas
4.337
48
Santa Fé de Minas
3.985
49
Santo Antônio do Retiro
7.339
50
São Francisco
56.805
51
São João da Ponte
25.856
52
São João das Missões
12.862
53
São João do Paraíso
23.729
54
São Romão
11.892
55
Serranópolis  de Minas
4.769
56
Taiobeiras
33.824
57
Vargem Grande do Rio Pardo
5.032
58
Várzea da Palma
39.128
59
Varzelândia
19.723
60
Verdelândia
9.220
Manifesto da Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido

Assembleia Legislativa de Minas Gerais

Belo Horizonte, 09 de julho de 2019

A água é a base de toda forma de vida e sua oferta é uma responsabilidade pública. A água não é apenas um bem de consumo, mas um direito humano do qual derivam vários outros: o direito à saúde, ao meio ambiente saudável e ao desenvolvimento econômico capaz de suprir as necessidades das famílias. A região do Semiárido Mineiro é composta por 91 municípios distribuídos entre o Norte de Minas, o Vale do Jequitinhonha e Mucuri . Caracterizada por uma concentração sazonal de chuvas, tem em sua maior parte do ano longos períodos de estiagem.

Durante muitos anos o Semiárido foi interpretado como um lugar de terra seca onde nada, nem ninguém, poderia prosperar. O discurso de “combate à seca” consumiu bilhões dos cofres públicos e elegeu políticos que usaram do drama de milhares de brasileiros como plataforma eleitoral sem qualquer compromisso social de fato.

Há 20 anos essa história começou a mudar. Passamos a falar sobre políticas de convivência com o clima e com o território, mudando o olhar sobre os povos do semiárido. A partir dessa nova ótica - a convivência e não o combate – formou-se uma rede com mais de 120 organizações – a ASA Minas – com o objetivo de garantir o acesso à água e fortalecer a soberania e segurança alimentar. No lugar de planos caríssimos e mirabolantes que nunca deram em nada, tecnologias sociais simples, baratas e com lastro na realidade local.

A estocagem da água se transformou em guia do trabalho da Convivência com o Semiárido que, por meio do Programa Um Milhão de Cisternas, construiu em Minas Gerais cerca de 65 mil cisternas de placas com capacidade para armazenar 16 mil litros cada uma, beneficiando quase 210 mil mineiros e mineiras.

Já o Programa Uma Terra e Duas Águas garantiu água para produção de alimentos por meio de diversas tecnologias sociais, dentre elas: Calçadão, Enxurrada, Barreiro-Trincheira e Barraginhas. Com essa água, as mais de 13 mil famílias beneficiadas passaram a ter condições de fazer pequenas plantações e manter a criação de animais que, além de alimentá-los, também constituem como uma fonte de renda.
Outra frente de trabalho importante é o Programa de Sementes do Semiárido, que através do conhecimento popular, estocam e fazem gestão de diversos tipos de sementes crioulas, responsáveis por garantir e perpetuação da produção de alimentos. Também o Programa Cisternas nas Escolas, aliado à Educação Contextualizada, garantem a permanência das escolas rurais funcionando mesmo em períodos de longas estiagens.

Para além das dificuldades, o Semiárido Mineiro é um local de muita cultura, tradição e diversidade. Na região vivem 7 povos e comunidades tradicionais: indígenas, quilombolas, geraizeiras, vazanteiras, veredeiras, catingueiras e de apanhadores de flores. São esses povos que vêm há anos construindo estratégias e combatendo a exploração ambiental por meio da agroecologia e dos conhecimentos tradicionais.

Nos últimos anos, centenas de organizações trabalharam de forma coordenada e organizada, mudando a realidade de diversas populações rurais, garantindo o acesso à água e ao alimento de qualidade. Infelizmente isso tem mudado e a Convivência com o Semiárido deixou de ser pauta de governos, deixando centenas de famílias sem perspectivas. Para além de uma ação de Governo, as ações de Convivência com o Semiárido devem ser uma política de Estado. Por isso é fundamental que a Assembleia Legislativa paute e aprove, de forma urgente, o PL n° 3968/2016, que institui a Política Estadual de Convivência com o Semiárido e o Sistema Estadual de Convivência com o Semiárido.

Esse projeto busca estabelecer parâmetros e prioridades para o desenvolvimento sustentável e solidário do vasto território que compreende o Semiárido Mineiro. Da mesma maneira, requer a universalização do acesso à água com qualidade e quantidade adequadas.

A aprovação do Sistema Estadual de Convivência com o Semiárido irá beneficiar a agricultura familiar, potencializando a assistência técnica e extensão rural, a distribuição, circulação e comercialização de produtos e serviços ali produzidos. Num ciclo virtuoso, poderá incentivar a agricultura familiar regional, a economia solidária, a economia criativa, o turismo de base comunitária, o que significa agregação de valor e geração de renda e economia aquecida da região. A instituição da Política Estadual de Convivência com o Semiárido é um reconhecimento da importância dessa região tão rica e historicamente tão abandonada.


                                  

Nenhum comentário:

Postar um comentário