Falta de projetos de preservação, descaso governamental e avanço do garimpo ilegal colocam em risco os mais importantes rios do Vale do Jequitinhonha.
Foto: Bruno Lages
Rio Araçuai, afluente do Jequitinhonha está ameaçado pelas agressões humanas
A devastação do Rio Jequitinhonha, cenário que inspira música, artesanato e formas de cultivo, avança em direção à cabeceira, que começa a ser castigada pouco mais de um quilômetro depois de brotar nos chapadões do cerrado mineiro, onde o rio começa sua saga de mazelas ambientais e sociais até chegar à Bahia e desaguar no mar, na altura do município de Belmonte, depois de percorrer 1.082 km.
O isolamento manteve praticamente intocada a nascente do Rio Jequitinhonha, no Serro, a 320 quilômetros de Belo Horizonte. Mas ela desce cristalina, sem a ação nociva do homem por apenas 1.300 metros. Já nessa altura, o igarapé precisa transpor a canalização do aterro da rodovia BR-259, onde recebe resíduos carreados da via, como combustível, óleo e cargas que vazam pelas canaletas de drenagem. Passados mais 10 quilômetros, a paisagem da nascente dá lugar ao fluxo intenso de esgoto do distrito de Pedro Lessa, que é carregado pelo Córrego Acabassaco e mancha o manancial com mais poluentes.
A derrubada das matas que levavam até a área da nascente do Rio Jequitinhonha e o lançamento de esgoto, lixo, garimpo ilegal e animais mortos em seus afluentes, estão afetando o modo de vida de milhares de moradores da região.
Nos últimos anos, o mau cheiro e a imundície têm descido as corredeiras do Córrego Acabassaco com cada vez mais volume, chegando até o Rio Jequitinhonha.
O Rio Araçuaí, maior afluente do Jequitinhonha, também é o retrato de algumas dessas agressões e está ameaçado pelas dragas da extração de areia, pelo lançamento de esgoto, desmatamento das matas ciliares e pelo lixo jogado nas suas margens, como ocorre no município que divide com o rio seu nome e seus detritos.
A situação vem se agravando com o desaparecimento de muitos córregos da região que são afluentes do Rio Araçuai. Um deles é o São Domingos, que atravessa a área urbana de Virgem da Lapa. Ali, uma grande ponte revela que um dia o São Domingos correu forte. Hoje, a travessia virou viaduto: debaixo dela sobrou um imenso leito seco. Onde falta água, agora sobra lixo e esgoto. Por causa do cultivo do eucalipto, desmataram áreas perto da nascente. Acabaram com a biodiversidade e com a água”, afirmam os moradores.
O último levantamento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), mostra que o Índice de Qualidade das Águas (IQA) bom do Jequitinhonha caiu de 50% para 42% .
Os fatores que mais contribuíram para os índices foram o lançamento de esgoto e o mau uso do solo. A barragem de Irapé contribuiu para aumentar a vazão do Jequitinhonha e facilitou o trabalho de um grupo de mulheres que integram o cenário do rio: as lavadeiras. Mas a usina que beneficiou as lavadeiras incomoda os pescadores. “Depois da usina, os peixes sumiram”, protestam. Os pescadores dizem não encontrar mais espécies como piau, piabanha e surubim.
Mais agressões
Nas margens altas dos rios Araçuai e Jequitinhonha, grandes plantações de banana, capim e eucalipto estão substituindo áreas de proteção permanente (APP) que vão sendo engolidas pelo desbarrancamento e as erosões.
A devastação que sofre a Bacia do Jequitinhonha, com desmatamento, invasões, lixo, esgoto e garimpo ilegal é um resumo da grande dificuldade que se tem em regenerar as suas áreas de preservação, mesmo sendo esse o mais importante manancial de abastecimento da região.
Um dos maiores desafios para se recompor as áreas degradadas é reverter o desmatamento histórico trazido pela ocupação dessas áreas, para dar lugar às pastagens e acabar com o garimpo ilegal, principalmente na região do Alto Vale do Jequitinhonha, que assassina o rio um pouco por dia.
Para o engenheiro Josias Gomes Ribeiro, natural de Araçuai e membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Jequitinhonha, são décadas de desprezo, agressões e crimes ambientais aos nossos rios Araçuaí e Jequitinhonha. "E claro ,essa brutal estiagem e seca dos últimos anos, podem levar tempo para a completa revitalização .Mas temos que começar imediatamente", diz o engenheiro.
Segundo ele, uma das propostas é construção de barragens ao longo dos seus 397 km de extensão do rio Araçuai que banha 19 cidades e abastece 23 municípios da região. “ Já existem estudos preliminares para três barragens. Creio que uma Audiência Pública bem trabalhada e convocada pela Assembléia Legislativa poderá alavancar esse processo. Contamos para isso com os deputados majoritários na região da Bacia”, acredita Gomes Ribeiro.
Deputados se manifestam
No Dia Mundial da Água ( 22 de março ) criado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas(ONU), o deputado estadual dr. Jean Freire (PT), filho do Vale do Jequitinhonha, ocupou a tribuna da Assembléia Legislativa, para denunciar a grave situação dos mananciais de água do Vale do Jequitinhonha. Ele lembrou que apesar da região estar no semiárido, as chuvas chegam mas que a água é mal aproveitada porque não há dispositivos para armazena-la. Ele condenou a proliferação de poços artesianos que podem afetar gravemente os lençóis freáticos e que a solução seria a construção de pequenas barragens.
“ Existem barragens para irrigar plantações de eucalipto mas não para matar a sede do povo. Os córregos estão morrendo. Em Lelivéldia, povoado de Berilo a 7 km da Hidrelétrica de Irapé, a população ainda sofre com a falta de água. Agora querem construir um mineroduto para retirar o minério de ferro da região, com a água de Irapé.Um absurdo”, disse o deputado, argumentando que é preciso fortalecer os Comitês das bacias hidrográficas para salvar as águas.
O deputado federal do Podemos, Igor Timo, também filho do Vale do Jequitinhonha, percorreu a região e afirmou que sua maior preocupação é com a preservação das nascentes e que vai defender projetos neste sentido.
Sérgio Vasconcelos, Repórter da Gazeta de Araçuaí, em 22.03.19
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