domingo, 20 de dezembro de 2020

Pandemia: Festas e aglomerações de adolescentes e jovens adultos aumentam a contaminação de seus familiares

 Covid-19 também pode ser devastadora para quem não chegou aos 30 anos

Cansada de ficar em casa, a população brasileira 

decretou por conta própria o fim da epidemia


Aglomeração em bares e restaurantes de Belo Horizonte.(foto: Marcos Vieira/EM/D.A.Press)

Menosprezar o perigo é um equívoco frequente na adolescência. É provável

que esse fenômeno aconteça porque os circuitos de neurônios das áreas

cerebrais responsáveis pelo controle das emoções organizam a arquitetura 

de suas sinapses anos antes do que o fazem os do lobo frontal, região 

que coordena o planejamento racional e a tomada de decisões. 

Como consequência, o adolescente experimenta emoções de adulto, 

enquanto mantém reações imaturas diante de ameaças à própria vida e 

à dos outros.

No caso da atual epidemia, esse descompasso neuro-anatômico se manifesta 

com clareza. A crença na imortalidade e no risco mais baixo de apresentar 

sintomas graves talvez explique a irracionalidade de adolescentes e adultos

jovens que se aglomeram em bares e nas festas, alheios à realidade 

de que esse comportamento os põe em risco, expõe seus familiares, 

a comunidade e dissemina a epidemia.

Apesar da maior gravidade nas pessoas mais velhas, a Covid-19 pode ser 

devastadora em quem não chegou aos 30 anos, haja vista as sequelas deixadas 

pela infecção e as mortes ocasionais nessa faixa etária.

Em setembro, um grupo do Brigham and Women’s Hospital, de Boston, 

publicou o estudo “Evolução Clínica de Jovens com Covid-19, nos Estados 

Unidos”, na revista JAMA Internal Medicine. Nele, foram avaliados o perfil 

clínico e a evolução de 3.222 mulheres e homens de 18 a 34 anos internados 

em hospitais americanos, por causa da doença. As gestantes foram excluídas.

Os participantes tinham em média 28,3 anos; 57,6% eram homens; 57% eram 

pretos ou latino-americanos. As prevalências das principais comorbidades que 

afetam a evolução foram: obesidade 36,8% (IMC acima de 30), diabetes 18,2% 

e hipertensão arterial 16,1%.

No decorrer da internação, 694 pacientes (21%) foram transferidos para 

unidades de terapia intensiva e 331 (10%) necessitaram de intubação e 

ventilação mecânica. A média de permanência na UTI foi de quatro dias.

Entre os 3.222 participantes, 88 morreram. Esse índice de mortalidade (2,7%) 

é o dobro daquele provocado por infarto do miocárdio em jovens da mesma 

faixa etária.

O risco de morte ou de precisar de ventilação mecânica foi 50% mais alto 

entre os homens; 2,3 vezes maior entre os obesos graves (IMC 40 ou mais); 

2,36 vezes maior entre os hipertensos e 1,4 vez nos casos de diabetes.

Naqueles com mais de uma das três condições citadas (obesidade, hipertensão, 

diabetes) o risco foi comparável ao observado em adultos mais velhos, sem 

nenhuma delas. Obesidade grave esteve presente em 41% dos pacientes que 

morreram ou precisaram de intubação e ventilação mecânica.

O estudo não permite calcular quantos adultos infectados entre os 18 e os 

34 anos apresentam sintomatologia que justifique hospitalização, mas é 

perturbador saber que dos internados 21% vão parar na UTI, 10% dependerão 

de intubação e ventiladores para sobreviver e 2,7% irão a óbito, apesar da idade.

Estamos num momento em que, cansada de ficar em casa, a população 

brasileira decretou por conta própria o fim da epidemia. As imagens de 

jovens aglomerados nos bares e as multidões nas ruas em que se concentra 

o comércio popular, as festas e o verão que se aproxima prenunciam um ano 

novo sinistro.

Crer que a vacina resolverá nossos problemas nos próximos meses é sonhar 

acordado. Primeiro, porque o descaso, a incompetência e a demagogia 

irresponsável do governo federal nos pôs em desvantagem para adquiri-la 

no mercado internacional. Depois, porque fica difícil acreditar que o atual 

Ministério da Saúde esteja preparado para coordenar o esforço exigido para 

adquirir vacinas suficientes para imunizar dezenas de milhões de pessoas 

pelo Brasil inteiro, em tempo hábil para reduzir as mortes, já no início do ano.

Neste momento, tínhamos que nos concentrar na obtenção imediata de vacinas, 

em convencer os brasileiros da segurança e da necessidade delas e, sobretudo, 

da importância de usar máscara, lavar as mãos e guardar distância dos outros, 

medidas exatamente opostas às defendidas pelo presidente da República e 

muitos de seus seguidores, desde o início da tragédia que se abateu sobre nós.

Feliz Natal, caríssimos leitores. Tomem cuidado. Não deixem que a reunião 

da família lhes traga tristeza e sofrimento.

Drauzio Varella

Médico cancerologista, autor de “Estação Carandiru”.

 





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