Covid-19 também pode ser devastadora para quem não chegou aos 30 anos
Cansada de ficar em casa, a população brasileira
decretou por conta própria o fim da epidemia
Menosprezar o perigo é um equívoco frequente na adolescência. É provável
que esse fenômeno aconteça porque os circuitos de neurônios das áreas
cerebrais responsáveis pelo controle das emoções organizam a arquitetura
de suas sinapses anos antes do que o fazem os do lobo frontal, região
que coordena o planejamento racional e a tomada de decisões.
Como consequência, o adolescente experimenta emoções de adulto,
enquanto mantém reações imaturas diante de ameaças à própria vida e
à dos outros.
No caso da atual epidemia, esse descompasso neuro-anatômico se manifesta
com clareza. A crença na imortalidade e no risco mais baixo de apresentar
sintomas graves talvez explique a irracionalidade de adolescentes e adultos
jovens que se aglomeram em bares e nas festas, alheios à realidade
de que esse comportamento os põe em risco, expõe seus familiares,
a comunidade e
dissemina a epidemia.
Apesar da maior gravidade nas pessoas mais velhas, a Covid-19 pode ser
devastadora em quem não chegou aos 30 anos, haja vista as sequelas deixadas
pela infecção e as mortes
ocasionais nessa faixa etária.
Em setembro, um grupo do Brigham and Women’s Hospital, de Boston,
publicou o estudo “Evolução Clínica de Jovens com Covid-19, nos Estados
Unidos”, na revista JAMA Internal Medicine. Nele, foram avaliados o perfil
clínico e a evolução de 3.222 mulheres e homens de 18 a 34 anos internados
em hospitais americanos, por causa da
doença. As gestantes foram excluídas.
Os participantes tinham em média 28,3 anos; 57,6% eram homens; 57% eram
pretos ou latino-americanos. As prevalências das principais comorbidades que
afetam a evolução foram: obesidade 36,8% (IMC acima de 30), diabetes 18,2%
e hipertensão arterial 16,1%.
No decorrer da internação, 694 pacientes (21%) foram transferidos para
unidades de terapia intensiva e 331 (10%) necessitaram de intubação e
ventilação mecânica. A média de permanência na UTI foi de quatro
dias.
Entre os 3.222 participantes, 88 morreram. Esse índice de mortalidade (2,7%)
é o dobro daquele provocado por infarto do miocárdio em jovens da mesma
faixa etária.
O risco de morte ou de precisar de ventilação mecânica foi 50% mais alto
entre os homens; 2,3 vezes maior entre os obesos graves (IMC 40 ou mais);
2,36 vezes maior entre os hipertensos e 1,4 vez nos
casos de diabetes.
Naqueles com mais de uma das três condições citadas (obesidade, hipertensão,
diabetes) o risco foi comparável ao observado em adultos mais velhos, sem
nenhuma delas. Obesidade grave esteve presente em 41% dos pacientes que
morreram ou precisaram de intubação e ventilação
mecânica.
O estudo não permite calcular quantos adultos infectados entre os 18 e os
34 anos apresentam sintomatologia que justifique hospitalização, mas é
perturbador saber que dos internados 21% vão parar na UTI, 10% dependerão
de intubação e ventiladores
para sobreviver e 2,7% irão a óbito, apesar da idade.
Estamos num momento em que, cansada de ficar em casa, a população
brasileira decretou por conta própria o fim da epidemia. As imagens de
jovens aglomerados nos bares e as multidões nas ruas em que se concentra
o comércio popular, as festas e o verão que se aproxima prenunciam um ano
novo sinistro.
Crer que a vacina resolverá nossos problemas nos próximos meses é sonhar
acordado. Primeiro, porque o descaso, a incompetência e a demagogia
irresponsável do governo federal nos pôs em desvantagem para adquiri-la
no mercado internacional. Depois, porque fica difícil acreditar que o atual
Ministério da Saúde esteja preparado para coordenar o esforço exigido para
adquirir vacinas suficientes para imunizar dezenas de milhões de pessoas
pelo Brasil inteiro, em tempo hábil para reduzir
as mortes, já no início do ano.
Neste momento, tínhamos que nos concentrar na obtenção imediata de vacinas,
em convencer os brasileiros da segurança e da necessidade delas e, sobretudo,
da importância de usar máscara, lavar as mãos e guardar distância dos outros,
medidas exatamente opostas às defendidas pelo presidente da República e
muitos de seus seguidores, desde o
início da tragédia que se abateu sobre nós.
Feliz Natal, caríssimos leitores. Tomem cuidado. Não deixem que a reunião
da família lhes traga tristeza e sofrimento.
Drauzio Varella
Médico cancerologista, autor de “Estação
Carandiru”.
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