Construção de pequenas barragens para
armazenar enxurrada no período chuvoso vem sendo usada como forma de combater
os efeitos da estiagem prolongada em regiões áridas do país.
O engenheiro-agrônomo e pesquisador da Embrapa idealizou sistema de aproveitamento de água da chuva há mais de 30 anos(foto: Mario Luiz Teodoro/divulgação)
O planeta Terra é composto por 70% de água,
mas somente 2,5% dessa porção é água doce, com a maior parte
situada nos polos, indisponível para o consumo imediato. O Brasil concentra 12%
da água doce superficial do mundo. No entanto, não dá para falar em fartura.
Pelo contrário, por conta das mudanças climáticas e das
diversas formas de degradação ambiental, o recurso é cada vez mais escasso,
agravando a crise hídrica. O problema é mais sério em regiões semiáridas, como
no Nordeste. Nesse contexto, as ações que objetivam a proteção das nascentes e
da água tornam-se de grande relevância não somente para a vida, mas também para
manter a produção agrícola – assim como para outros setores da economia.
Uma
das iniciativas de grande impacto para democratização do acesso ao recurso
hídrico no semiárido é o sistema de barraginhas de água da chuva, a baixo
custo, experiência que surgiu no Norte de Minas e foi difundida pela Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), se multiplicando no território
mineiro e no país.
Os reservatórios servem para
contenção de água da chuva, fazendo com que a água infiltre no subsolo e
recarregue o lençol freático, impedindo a erosão. Assim, tornaram-se um grande
instrumento de recuperação ambiental e das fontes hídricas, auxiliando o
pequeno produtor a se manter na atividade e a conviver com a seca. O projeto
tem como idealizador e coordenador o engenheiro-agrônomo e pesquisador Luciano
Cordoval de Barros, da unidade da Embrapa Milho e Sorgo de Sete Lagoas. Segundo
ele, já foram construídas em todo país pelo menos 600 mil barraginhas, a metade
delas em Minas Gerais. O sistema se expande para além do semiárido e já chegou
a 15 estados.
O projeto começou a ser desenvolvido pela Embrapa
há 24 anos, quando foram construídas as primeiras 28 barraginhas. No entanto, o
pesquisador Luciano Cordoval relata que começou a trabalhar a ideia há quase 37
anos, em 1982, no município de Janaúba, no Norte do estado, castigado
historicamente pelo clima semiárido. “Eu peguei o gosto e paixão pelo
semiárido. Vendo o sofrimento imposto pela seca, eu fui idealizando as coisas,
tentando alguma solução para o semiárido. Um dia, vi a natureza fazendo uma
barraginha ao longo de uma enxurrada. Por conta do assoreamento, formou-se uma
barraginha. Dias depois, no lugar, ao redor da lama, estava tudo verdinho,
parecendo um canteiro. A partir daí, comecei a fazer os primeiros desenhos das
barraginhas”, relata.
O pesquisador informa que a tecnologia foi
“fincada” no semiárido mesmo em 2001, quando foi implantada no Vale do
Jequitinhonha, começando pelo município de Minas Novas, onde foram construídas
3 mil barraginhas em 47 comunidades. A partir daí, o projeto se estendeu para
outros municípios do semiárido mineiro (que abrange o Jequitinhonha e o Norte
do estado).
Em 2005, numa ação da Fundação Banco do Brasil
(FBB), o modelo de “segurar a água da chuva” foi levado para o Nordeste, sendo
incrementado no Piauí e no Ceará. Em seguida, a experiência foi bem-sucedida
também no Espírito Santo e no Tocantins. Hoje, informa Cordoval, o projeto já
alcançou 15 unidades da Federação, amenizando o problema da seca em outros
estados nordestinos como Bahia, Paraíba e Sergipe. Em função dos resultados, o
sistema se expandiu para as regiões Norte (Pará), Centro-Oeste (Goiás, Distrito
Federal e Mato Grosso), Sudeste (São Paulo) e Sul (Rio Grande do Sul e Santa
Catarina).
O pesquisador Luciano Cordoval destaca que a
construção das barraginhas tem sido a alternativa para segurar a água da chuva
no semiárido, onde a estação chuvosa, além de ser menor, é irregular. “O
semiárido tem a característica de chover tudo de uma vez. No início do período
chuvoso chove bastante. Depois, passa dois ou três meses sem chuva. Aí, morre
tudo que o pessoal plantou”, descreve.
Nesse contexto, relata Cordoval, “o sistema de
barraginhas aproveita de forma eficiente a água das chuvas irregulares e
intensas, permitindo que a água se infiltre no solo, recarregando o lençol
freático. Quanto mais rápido a água se infiltrar no solo, mais eficiente será a
barraginha. Assim, ela estará apta a receber as águas das próximas chuvas e
seguramente durante todo o ciclo chuvoso”, explica o engenheiro-agrônomo,
ressaltando ainda que a infiltração subterrânea impede a evaporação.
Ele salienta que com a implantação dos
reservatórios, as famílias se tornam verdadeiras guardiãs das águas. Destaca
que, ao recarregar o lençol freático, “as barraginhas vão recuperar os
mananciais, que são os mantenedouros das nascentes, garantindo a revitalização
dos córregos e rios”.
Cordoval destaca que, além do efeito ambiental, o
sistema gera bons resultados para a agricultura, contribuindo para a melhoria
de vida no campo. “A água da chuva que é retida umedecerá o entorno das
barraginhas, o que propicia a implantação de lavouras. As pastagens ao redor
das barraginhas desenvolvem-se mais rapidamente. Além disso, a água que infiltra
no solo vai avançando de maneira subterrânea, umedecendo as baixadas, onde são
criadas condições para a agricultura. Aí, serão produzidos alimentos e haverá
melhoria no sustento das famílias.Vai melhorar a renda local e regional. Essas
vantagens são refletidas nas feiras e no comércio, com maior satisfação das
famílias”, descreve.
Cordoval assegura que a tecnologia combate o êxodo
rural. “Com a construção de várias barraginhas em uma propriedade, surge a
“cultura de colher água da chuva. Assim, as lavouras não vão perder no
veranico. As famílias ficarão mais motivadas e, além de proteger o solo,
poderão permanecer em seus locais de origem, esquecendo o êxodo rural”,
comenta. “Existindo a agricultura e a produção, cria-se a sustentabilidade da
propriedade e da família. Isso gera dignidade e a cidadania no campo.”
Continua depois da publicidade
Além do ganho ambiental, uma das grandes vantagens
das barraginhas de contenção de água é o baixo custo. O engenheiro-agrônomo
Luciano Cordoval ressalta que são construídos barramentos em grotas, as menores
com capacidade para 100 mil litros (oito metros quadrados de raio) e as maiores
– para enxurradas fortes”, com capacidade de 200 mil litros (16 metros
quadrados).
O pesquisador da Embrapa informa que a barraginha
de 100 mil litros – “no formado de meia-lua, meio queijo ou arco”– é feita com
cerca de duas a três horas (o tempo varia de acordo com as condições do solo)
de máquina retroescavadeira, custando aproximadamente R$ 300 (R$ 120 o preço da
hora trabalhada, em média). O reservatório com capacidade para armazenar 200
mil litros custa cerca de R$ 600.
Pesquisador e engenheiro-agronômo da Embrapa
Nos dias de hoje, esse desenho ao lado simboliza
bem a mensagem das barraginhas coletoras de água das chuvas. Imaginem a
fazendinha como uma árvore caída sobre ela, tombada pelos ventos, tendo suas
partes altas, medianas e baixadas e imaginando que essa árvore está caída na
propriedade, o tronco dessa árvore representaria uma grota seca, os galhos de
sua copa simbolizariam as enxurradas. Assim, toda chuva caída no terço médio e
alto escorreria pelos galhos.
Construindo-se pelo menos uma barraginha por galho, estaríamos matando/domando essas enxurradas, que ao filtrar criariam esses halos/ondas subterrâneas, simbolizando o avanço da infiltração horizontal, além, é lógico, da infiltração vertical. Cada barraginha ao se encher e filtrar formaria um halo; já no segundo enchimento e esvaziamento, formaria o segundo halo/onda, e nos oitavo e décimo enchimentos completaria esses halos maiores, como uma onda subterrânea, afastando do centro de cada barraginha.
E quando todos esses halos se encontrarem, criariam um enorme halo, uma enorme lagoa subterrânea, o que chamamos lençol freático, manancial que é uma reserva para a revitalização dos córregos e rios. Antes de chegar ao córrego, escoar gravitacionalmente, passando pela parte baixa verde/azulada, umedecendo-a, criando condições favoráveis para a agricultura! Mesmo nas partes média e alta, os umedecimentos localizados de cada barraginha criarão uma condição especial úmida nas pastagens, nos pomares, nos capões de mato, em tudo que estiver estabelecido nessas duas partes mais altas. Principalmente as plantações de sistema radicular maior!
Construindo-se pelo menos uma barraginha por galho, estaríamos matando/domando essas enxurradas, que ao filtrar criariam esses halos/ondas subterrâneas, simbolizando o avanço da infiltração horizontal, além, é lógico, da infiltração vertical. Cada barraginha ao se encher e filtrar formaria um halo; já no segundo enchimento e esvaziamento, formaria o segundo halo/onda, e nos oitavo e décimo enchimentos completaria esses halos maiores, como uma onda subterrânea, afastando do centro de cada barraginha.
E quando todos esses halos se encontrarem, criariam um enorme halo, uma enorme lagoa subterrânea, o que chamamos lençol freático, manancial que é uma reserva para a revitalização dos córregos e rios. Antes de chegar ao córrego, escoar gravitacionalmente, passando pela parte baixa verde/azulada, umedecendo-a, criando condições favoráveis para a agricultura! Mesmo nas partes média e alta, os umedecimentos localizados de cada barraginha criarão uma condição especial úmida nas pastagens, nos pomares, nos capões de mato, em tudo que estiver estabelecido nessas duas partes mais altas. Principalmente as plantações de sistema radicular maior!
Às
margens do lago formado pela contenção da enxurrada é possível plantar sem
sofrer os efeitos da estiagem(foto: Wagner
Tavares/Divulgação)
Ganhos ambientais e feitos práticos
Iniciativas como a construção de barraginhas devem
ser incentivadas e multiplicadas por aumentar a oferta de água e garantir o
equilíbrio ambiental, afirma o professor Flávio Pimenta, do Instituto de
Ciências Agrárias (ICA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em
Montes Claros. “As barraginhas são reservatórios para guardar a água da chuva.
Elas têm o objetivo de segurar a água superficial e permitir que essa água se
infiltre no solo, contribuindo para a revitalização das bacias hidrográficas”,
afirma o professor da UFMG.
“Já foi comprovado que a tecnologia tem um
resultado muito positivo para o meio ambiente, criando uma relação entre água,
solo, clima e planta, pois permite que a água da chuva se infiltre no subsolo,
recarregando os aquíferos freáticos e promovendo no entorno das barraginhas uma
condição propícia para o desenvolvimento da fauna e da flora”, assegura
Pimenta, doutor em engenharia ambiental.
Ele salienta que, junto com as pequenas barragens,
devem ser implementadas outras ações para melhorar a vida no semiárido. “Além
das barraginhas, devem ser feitas outras medidas mitigadoras, como terraços,
cercamento de nascentes, recuperação de estradas e o plantio de matas ciliares,
que contribuem para a preservação do recurso água”.
O gerente regional da Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), Ricardo Demichelli,
informa que já foram construídos entre 40 mil e 50 mil pequenos barramentos
para contenção da água de chuva na região, com ganhos para a natureza e para
os pequenos agricultores. “As barraginhas feitas no Norte de Minas têm
contribuído muito para a recuperação das sub-bacias. Elas têm muito efeito nas
propriedades. As microbacias servem para abastecer as bacias maiores. Já temos
exemplo de comunidades abastecidas por esse processo de conservação de água da
chuva. Trata-se de uma tecnologia que foi bem assimilada pelo pequeno
produtor”, observa Demichelli.
Para o gerente regional da Emater-MG, os pequenos
agricultores estão mais conscientes sobre a necessidade da proteção ambiental.
“Estamos avançando. Hoje, vimos vários produtores que estão fazendo terraços em
suas áreas e construindo barraginhas de contenção de água da chuva, além de
cuidar mais da proteção de nascentes e de matas ciliares. Eles também adotam
zelo na questão da cobertura ambiental e métodos de plantio adequados. É
indispensável que cada um faça a sua parte”, avalia o técnico.
Fonte: Reportagem de Luiz Ribeiro. de Montes Claros. Postado em 23/12/2019 11:20 no jornal Estado de Minas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário