domingo, 19 de abril de 2020

Desigualdade social: COVID-19 ataca mais famílias numerosas em pequenas casas

A COVID-19 e a desigualdade

Atila Iamarino*

Algo que é gritante são sinais ambíguos. A obesidade, por exemplo. Em tempos passados, onde a comida faltava, já foi um símbolo de quem tinha recursos para comer à vontade, um sinal de saúde. Já hoje é um sinal contrário, de falta de dinheiro. Um problema mais comum entre os que não podem pagar academia, nutricionista, tempo livre e outras benesses que ajudam a manter um corpo mais saudável.
A Covid-19 passa pelo mesmo. O problema é universal, mas afeta cada um de forma diferente, aumentando o contraste de problemas pregressos.
O Sars-CoV-2, que causa a doença, é transmitido pelo ar ou por contato —e respirar e se tocar são dois hábitos unisex. Mas, apesar de atingir homens e mulheres em proporções comparáveis, a Covid-19 mata mais homens. Na China e na Itália, cerca de dois terços das mortes foram de homens.    
A explicação pode estar no comportamento. Mais da metade dos chineses fumam, enquanto menos de 3% das chinesas o fazem. Mas proporcionalmente à China, menos italianos e mais italianas fumam.
A diferença talvez esteja também em fatores biológicos, como uma resposta imune diferente entre homens e mulheres, além do fato de homens geralmente sofrerem mais de outros complicadores que aumentam a mortalidade pela Covid-19 como hipertensão e diabetes fora de controle. 
E, conforme o coronavírus se espalha, vemos mais diferenças ressaltadas. Obesidade ser um fator de risco nos EUA e na França, o que só é uma novidade porque não há obesos o suficiente na China para ver isso antes.
Em grande parte dos EUA, outro grupo de risco surgiu. Morrem proporcionalmente mais negros e latinos. O que não parece ser obra do vírus, mas sim das pessoas. Alguns índices de saúde dos EUA sempre foram os piores dos países de primeiro mundo, como a maior mortalidade infantil de filhos de mães jovens. Isso é uma média entre famílias brancas com números próximos dos outros países mais desenvolvidos e famílias negras e latinas que ficam próximas de países bem mais pobres.
Além disso, negros e latinos exercem mais trabalhos essenciais, têm menos condições financeiras de ficar em casa, vivem em densidades maiores, têm mais diabetes, hipertensão, obesidade e outros complicadores da Covid-19.
O mesmo deve acontecer no Brasil. Pesquisadores do grupo Mave, da Fiocruz, calcularam o índice de vulnerabilidade de brasileiros considerando acesso à saúde, esgoto tratado, eletricidade, IDH e outros indicadores de qualidade de vida. Todos fatores necessários para as medidas mais importantes para barrar a pandemia, o distanciamento e higiene constante.
Difícil ficar em casa quando é preciso andar quilômetros para ter água para lavar as mãos. E as regiões onde já vemos os sinais vermelhos, como partes do Amazonas e do Ceará, onde o sistema de saúde já está entrando em colapso, estão entre as regiões mais vulneráveis que observaram.
Diferenças que fazem um mesmo sinal, um número ainda baixo de Covid-19 por 100 mil habitantes, causar problemas muito mais sérios do que nos locais com mais casos e mais infraestrutura como São Paulo e Brasília. E, por trás dessas diferenças, ainda estão índices maiores de hipertensão, obesidade, diabetes e outros fatores de saúde que no Brasil também são mais comuns entre os mais pobres e devem aumentar a mortalidade da pandemia onde o atendimento hospitalar é mais difícil.
Se não adotarmos o distanciamento e a postura que a crise exige, o colapso do sistema de saúde será universal no país. Ricos e pobres não encontrarão leitos hospitalares para qualquer problema de saúde. Mas nossas desigualdades apresentarão essa realidade muito mais cedo para alguns.
Atila Iamarino
Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia
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