QUE O CRUZEIRO NÃO
CAIA
Fabrício Carpinejar*
Todos estão
torcendo para o Cruzeiro cair. Eu mesmo, como colorado, me peguei
secando a raposa.
Para quê? Para nivelar por baixo os
times da Série A? Para que ninguém mais possa usar o refrão “Ão,
ão, segunda divisão”? Para esperar que isso também aconteça com
São Paulo, Flamengo e Santos ao longo do tempo e não exista mais
nenhum privilégio do inferno?
Deveríamos buscar a
igualdade pelos triunfos, jamais pelos vexames.
A
realidade é que quando um time grande cai o futebol brasileiro é
que perde. É uma tristeza incurável para a bola.
O
descenso não é uma vingança contra a corrupção e desmandos dos
dirigentes, não é um castigo para a má gestão, mas um atentado à
beleza e plasticidade de nossa história, aos duelos inesquecíveis
encarnados pela constelação de estrelas na camiseta azul.
Cruzeiro já nos maravilhou com as cobranças de falta de
Nelinho e Dirceu Lopes, com a inteligência de Tostão, com as
defesas impossíveis de Raul e de Fábio, com a proteção blindada
do canhoto Piazza, com os giros de Palhinha, com as arrancadas do
Diabo Loiro (que nem Pelé conseguiu frear), com o oportunismo do
ponta esquerda Joãozinho.
A toca foi sempre um refúgio
de encanto, de onde saiu Ronaldo o Fenômeno, o arqueiro gigante
Dida, o volante incansável Ricardinho.
Quem ama o jogo
bonito e a arte dos esquemas ofensivos tem gratidão pelo bicampeão
da Libertadores e maior campeão da Copa do Brasil.
Não
podemos deixar que a rivalidade elimine a admiração pela equipe
quase centenária, destemida, que nunca se apequenou no Mineirão.
Rezar para que o Cruzeiro desça para a Segunda Divisão
é sacrificar clássicos e esvaziar o próprio Campeonato Brasileiro.
Será um vácuo desolador em 2020 não desfrutar de
Cruzeiro X Atlético, Cruzeiro X Flamengo, Cruzeiro X Santos,
Cruzeiro X Grêmio, Cruzeiro X Inter, Cruzeiro X Fluminense...
Quantas finais deixarão de ser revividas em uma simples rodada?
Não quero que o torcedor cruzeirense sofra o que já
sofri. É uma mentira que a série B é um passo importante para
renovação do clube, que o rebaixado volta mais forte. De modo
nenhum, aquele que sobe sempre tem mais chances de cair de novo - é
uma verdade estatística.
Série B não traz humildade,
só provoca endividamento e remorso.
Portanto, vou contra
a maré da secação: que o Cruzeiro permaneça onde nunca deve sair,
na elite.
Quando o presente não inspira confiança, é o
momento de pôr o passado em campo.
Publicado no jornal
Zero Hora, GaúchaZH,
5/12/19:
Fabrício Carpinejar é escritor, poeta, jornalista e professor universitário. Gaúcho. Autor de trinta e quatro livros, pai de dois filhos, um ouvinte declarado da chuva, um leitor apaixonado do sol. Quando conseguir se definir deixará de ser poeta.
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