Ayrton Centeno30 de Outubro de 2019 às 15:06
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Tornar-se idiota virou uma das maneiras de subir na vida
Quando alguém, dentro de algum tempo, for estudar o que nos aconteceu, talvez chame esta página infeliz da nossa história de “Era da Ignorância”. Motivos para tanto abundam, com o perdão da palavra. Mas será impreciso. Acontece que, gêmeo univitelino da burrice em questão, existe o poder exercido pelos boçais. É uma idiotia empoderada.
O Brasil já sofreu com cretinices, mas nunca dantes neste país os idiotas conseguiram implantar uma idiocracia. Fazem da sua condição motivo de soberba. Orgulham-se da sua estupidez. Transformam-na numa cruzada, buscando salvar as almas de quem ainda não se converteu às trevas. Todos devem aderir à asnice hegemônica. É uma questão de poder, mas também de fé.
Fé, afinal de contas, é imprescindível para o idiota acreditar no que quer acreditar. Que a Terra é plana, que a crise do clima é uma conspiração comunista, que o nazismo era de esquerda, que meninas enfiam crucifixos na vagina, que Lula é o sujeito mais rico do Brasil, que “forças do mal” celebram a vitória do peronismo dos Fernández, que Jesus Cristo frequenta goiabeiras. Tudo sem uso de ácido lisérgico.
Tornar-se idiota virou uma das maneiras de subir na vida. Sem ler, sem pensar, sem fazer força. No Brasil dos Bolsonaros, o idiota bate no peito e proclama seu estado superior de estupidez. Ser idiota virou projeto de vida, sonho de realização e até bom partido. “Veja, ela se casou com aquele idiota e hoje ele é ministro…”, alguém dirá.
A idiotice é empoderada, sobretudo, de cima para baixo. Não há outra explicação, por exemplo, para o derramamento de besteirol pelo presidente ao tratar da catástrofe com óleo no Nordeste. Tampouco para se idealizar como leão em postagem ridícula. Funciona como exaltação da asneira e avacalhação geral do país.
O surto de idiotice preserva certa simpatia na imprensa empresarial. Só prospera com a bênção do olhar cúmplice ou complacente do noticiário. Que costuma definir tais figuras como “polêmicas”, bela maneira de tratar o leitor como idiota. Assim, um ministro sem noção atribui uma tragédia ambiental ao Greenpeace e é chamado de “polêmico”. Se culpasse o monstro de Loch Ness o adjetivo não mudaria, embora o sentido da existência de qualquer imprensa, de qualquer época, seja o de considerar tal personagem como inepto e irresponsável, adjetivos necessários e esclarecedores.
À mídia cai melhor enturmar-se com a trupe palaciana para aligeirar o processo de devastação do patrimônio público, mesmo que precipite o regresso ao Brasil Colônia. Não é novidade. Assim operou sob FHC, quando tratou as privatizações como unguento capaz de sanar todos os males, de erisipela a dor de dente. Hoje, cupincha de algo ainda pior, descreve a reforma da Previdência como a escadaria para o paraíso. Abdicou de seu papel de iluminar a cena nacional para se dedicar ao esforço de aumentar a produção nacional de idiotas, empoderados ou não.
*Ayrton Centeno é jornalista.
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