domingo, 27 de janeiro de 2019

Deputados agradam mineradoras e reprovam endurecimento de medidas em barragens de rejeitos

Projeto que endurece regras para barragens não avança em Assembleia de Minas.
Das três propostas apresentadas após desastre de Mariana, só uma foi aprovada.
Flávia FariaCarolina Linhares
SÃO PAULO e BRUMADINHO (MG)
Um projeto de lei que endurecia as regras de licenciamento para barragens de mineração foi reprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O texto foi vetado na Comissão de Minas e Energia em julho do ano passado. Votaram contra os deputados estaduais Thiago Costa(MDB), Gil Pereira (PP) e Tadeu Martins(MDB). 
A proposta, de autoria do deputado estadual João Vitor Xavier (PSDB), foi formulada a partir do projeto Mar de Lama Nunca Mais. 
Este, de iniciativa popular, teve mais de 50 mil assinaturas e foi elaborado pelo Ministério Público mineiro em parceria com ONGs e representantes das famílias atingidas pela barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015
O desastre matou 19 pessoas e espalhou 650 km de rejeitos de mineração pelo rio Doce. Na sexta (25), o rompimento de outra barragem em Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, matou ao menos 34.
O projeto de Xavier foi um substitutivo a outro que já corria na Assembleia. Propunha, entre outras coisas, normas e prazos mais rígidos para licenciamento ambiental de novas barragens, auditorias periódicas de acordo com o dano potencial dos reservatórios e caução para garantir a recuperação ambiental em caso de acidente. 
Também proibia a concessão de licença para construção ou ampliação de reservatório em locais com comunidades próximas ao curso do rio. 
"O objetivo do projeto era fazer o que já acontece no Primeiro Mundo. Não existe mais mineração no modelo que se faz aqui. Enquanto for assim, as pessoas vão continuar morrendo", diz o deputado.
Hernani Lima, professor da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto, defende o aumento do rigor na concessão de licenças para barragens. "Falta uma política melhor. É preciso um Estado mais forte, com pessoas capacitadas, com treinamento e fiscalização", afirma.
Contudo, o professor alerta que o aumento da burocracia, por si só, poderia inibir iniciativas positivas. Um exemplo é o parágrafo que exigia novo licenciamento ambiental para alterações no projeto original de uma barragem.
"Isso poderia até inibir alterações positivas. É muito difícil generalizar. Mas, para ter uma análise caso a caso, é preciso ter uma equipe técnica ambiental bem preparada, o que não vem acontecendo."
Em nota publicada no site do MDB mineiro, Thiago Cota (MDB), um dos três deputados que votaram contra a proposta, afirmou que sua aprovação tornaria inviável a atividade de mineração em MG.
A versão original do projeto continua em tramitação. Ainda que seja menos rígida, traz normas mais rigorosas que as atuais, como o veto à construção de barragens à montante, como a de Brumadinho. 
Esse modelo, mais comum e mais barato, é aquele em que os vários "degraus" da barragem, erguidos a medida que a quantidade de rejeitos aumenta, são feitos contra o barranco ou a parede que dá sustentação à estrutura. Para engenheiros, o método é considerado um dos menos seguros.
Deputados que estiveram em Brumadinho após o rompimento da barragem falam em aproveitar a comoção social por conta da tragédia para aprovar já em fevereiro leis mais rigorosas, tanto no âmbito estadual como federal. Uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) também começa a ser pensada. 
Dos três projetos apresentados na Assembleia após o rompimento de Fundão, em Mariana, apenas um foi aprovado. À época, foi criada uma comissão extraordinária sobre barragens.
A ideia era apertar a fiscalização por meio de novas leis e evitar novas tragédias. Segundo deputados ouvidos pela reportagem, houve pressão de empresas e mineradoras para que as iniciativas da comissão não fossem levadas adiante. 
A única proposta aprovada até agora é a que direciona recursos da taxa minerária para a Secretaria de Meio Ambiente. Antes, a verba era usada até para financiar a Minas Arena, concessão a cargo do estádio do Mineirão. 
Há ainda um outro projeto, encaminhado pelo então governador Fernando Pimentel (PT), que estabelece a política estadual a atingidos por barragens e determina, entre outros, uma política de atendimento em caso de rompimento. Esse nunca foi votado. 
"Houve pressão das empresas", diz o deputado estadual Rogério Corrêa (PT), eleito deputado federal. "Existe esse tipo de pensamento de que muita fiscalização atrapalha o empresário", completa. 
Ele diz que os novos deputados estaduais devem aproveitar o gancho da tragédia para aprovar o quanto antes os demais projetos. "Isso [o desastre] traz prejuízo econômico, o Brasil fica desmoralizado." 
Fonte: Folha de S.Paulo

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