RUDÁ RICCI: CIRO NÃO TERIA MAIS CHANCE CONTRA BOLSONARO
Em artigo, o sociólogo Rudá Guedes Ricci afirma que Ciro Gomes (PDT) teria dificuldades de vencer Jair Bolsonaro (PSL) em em segundo turno.
"Ocorre que num segundo turno, com apenas dois candidatos no páreo, aquela intenção inicial estimulada pela crença em seu candidato do primeiro turno se dissipou, obrigando o eleitor a repensar à luz dos projetos de país em disputa".
Por
Rudá Guedes Ricci*
1.
A eleição para Presidente da República neste tumultuado 2018 teve
momentos distintos. Até o episódio da facada em Jair Bolsonaro, na
cidade mineira de Juiz de Fora, sua candidatura não gerava
segurança. Demonstrava estar paralisada em intenção de votos ao
redor de 20%. A candidatura petista de Fernando Haddad crescia
aceleradamente, procurando transferir votos de Lula, campeão de
intenção do eleitorado brasileiro (na marca dos 40%), mas que havia
sido preso e impedido de registrar sua candidatura;
2. Com o atentado à Bolsonaro,
ocorrido em 6 de setembro, sua candidatura recebeu um sopro de vida.
Primeiro, porque a comoção que gerou fez sua candidatura superar os
25% de intenção de votos rapidamente (em 20 de agosto, Bolsonaro
tinha, segundo o IBOPE, 20% de intenção de votos; em 11 de
setembro, já alcançava 26% e em 24 do mesmo mês, 28%). Segundo,
porque o episódio consolidou sua candidatura como a única capaz de
enfrentar o campo à esquerda. E, finalmente, porque lhe concedeu o
álibi para se silenciar e não participar de nenhum debate público
com seus adversários. Ficou em jejum. Todos sabemos da sua
inabilidade retórica e fragilidade programática. Se safar dos
debates foi um percalço a menos na sua campanha;
3. Na última semana de campanha do
primeiro turno, a candidatura de Bolsonaro continuava crescer
modestamente (ultrapassando a marca dos 35%), mas seu principal
adversário, Haddad, estabilizava (em 22%);
4. O fato novo, que daria o impulso
final à candidatura de Bolsonaro neste final de primeiro turno foi a
disseminação de fake news pelos grupos de WhatsApp. Esta inovação
de campanha deverá marcar os próximos pleitos nacionais. O fato é
que esta tática conseguiu superar o teto do anti-petismo (na marca
dos 25% a 30% dos eleitores brasileiros) e conseguiu penetrar nas
camadas mais populares. O intento se deu por uma aliança entre
igrejas evangélicas (com alta penetração popular) e esta nova
tecnologia de comunicação de natureza privada e comunitária. Esta
associação proporcionou a construção, já tentada por Marina
Silva em 2010, de uma “Cruzada” ou “Guerra Santa” na reta
final do primeiro turno. Tanto que o mote dos últimos dois dias de
campanha não foi o anti-petismo, mas os gays e feministas que,
segundo mensagens disseminadas nesses segmentos sociais, colocariam a
família tradicional em risco, fortalecendo comportamentos imorais e
inadequados;
5. Pesquisa XP/IPESPE realizada no
final de setembro indicava que Haddad herdaria 71% dos eleitores que
votariam em Ciro Gomes (equivalente a 8% do total de intenções de
voto); 73% do eleitorado de Marina Silva (equivalente a 4%) e 33% dos
eleitores de Alckmin (3% das intenções de voto). Assim, em 15 de
outubro, pesquisa IBOPE indicava que a intenção de votos de
Bolsonaro atingia 59% e Haddad atingia 41% (Bolsonaro obteve 46% dos
votos no primeiro turno e Haddad, 29%, demonstrando um maior
crescimento do candidato petista no segundo turno em relação ao
verificado pela candidatura Bolsonaro);
6. Lentamente, Bolsonaro cai, ao longo
do segundo turno, deste patamar de 59% para 55% e Haddad sobe de 41%
para 45%. A mudança, ainda que insuficiente para retirar a vitória
final de Bolsonaro, se deu em função da descoberta e reação
tímida do judiciário em virtude das notícias falsas disseminadas
nas redes sociais no final do primeiro turno, além da divulgação
de financiamento de empresários para gerar esta fraude;
7. Aqui aparece uma primeira tese que
confunde até o momento parte do campo progressista, muito
disseminado pela candidatura de Ciro Gomes: a que a escolha de
Fernando Haddad facilitou a vitória de Bolsonaro. A tese se apoia
num equívoco técnico: pesquisas realizadas no primeiro turno
projetariam todos candidatos, menos Haddad, como possíveis de vencer
Jair Bolsonaro no segundo turno. A tese incorre em vários erros. O
primeiro é que no final de setembro, a candidatura de Haddad já se
projetava à frente de Bolsonaro no segundo turno (segundo pesquisas
XP/IPESPE e IBOPE). Mas, o erro maior da tese está na própria
confiança neste tipo de projeção. Um dos erros primários que não
se pode cometer em pesquisas quantitativas é a indução da
resposta. Isto significa que a sequência de questões merece atenção
profissional. Uma ilustração é perguntar se uma pessoa gosta de
violência e, em seguida, perguntar se vota em candidato que prega a
violência. A indução é nítida e gera viés na resposta. Pois
bem, ao perguntar, durante o primeiro turno, em quem o eleitor
pretendia votar no segundo turno, o viés inviabiliza o rigor em
relação à resposta. Isto porque o eleitor projeta seu candidato no
segundo turno. No caso, se o seu candidato ataca um possível
concorrente (caso de Marina e Ciro Gomes em relação a Haddad), mas
este adversário não fazia crítica aos primeiros (Haddad tentava
atrair os outros dois adversários citados), os eleitores se
comportam de maneira distinta. Ocorre que num segundo turno, com
apenas dois candidatos no páreo, aquela intenção inicial
estimulada pela crença em seu candidato do primeiro turno se
dissipou, obrigando o eleitor a repensar à luz dos projetos de país
em disputa. O erro metodológico foi evidente. Tanto que a projeção
das pesquisas realizadas no primeiro turno em relação à intenção
de voto do eleitor no segundo turno já revelou total descompasso na
primeira semana do segundo turno: Haddad e Bolsonaro passaram a ter
um índice de intenção de votos absolutamente distinto das
pesquisas realizadas anteriormente;
8. A tese sobre o melhor nome para
enfrentar Jair Bolsonaro desconsidera dados concretos da realidade e
a sequência de acontecimentos que ocorreram ao longo do primeiro
turno. Ciro Gomes nunca conseguiu se revelar um candidato
efetivamente competitivo justamente porque não conseguiu formatar um
arco de alianças potente, não tinha relação orgânica com
estruturas sociais de massa (sindicatos, igrejas ou entidades de
representação de classe) e não obteve apoio da maior liderança
política do país, Lula. Este foi justamente o diferencial entre
Ciro Gomes e Fernando Haddad: o potencial eleitoral dos dois era
equivalente (entre 5% e 10%). Foi o apoio de Lula e a estrutura
política do lulismo que levou Haddad ao crescimento no primeiro
turno. E justamente quando o nome de Haddad ganhou visibilidade e
seus méritos passaram a ser examinados de perto pelo eleitor, o
ritmo de crescimento do percentual de intenção de votos começou a
ser menor até atingir o ponto de estabilidade;
9. O que parece ter ocorrido é que os
acontecimentos imprevisíveis que catapultaram a candidatura de
Bolsonaro se somaram à fraqueza dos candidatos do campo que se
opunha ao candidato da extrema-direita. No campo do centro-esquerda,
Haddad e Ciro Gomes – ambos apresentando programas de natureza
social-liberal – não possuem carisma ou histórico suficientes
para se equiparar à Lula. Poderiam até fazer frente à Bolsonaro
desde que a facada e a disseminação de Fake News pelos grupos de
whatsapp não tivessem ocorrido. Com tais situações inusitadas, os
dois candidatos não conseguiram atingir corações e mentes das
populações silenciosas, não organizadas, altamente religiosas e
conservadoras no seu ideário (ainda que não tanto em sua prática
social concreta);
10. A eleição revelou um país
dividido. Haddad venceu na maioria dos municípios brasileiros: o
petista venceu em 2.810 municípios, Jair Bolsonaro venceu em 2.760
municípios. Por outro lado, Bolsonaro venceu em 97% das cidades mais
ricas e Haddad em 98% das mais pobres. Entre os mil municípios com
os maiores IDHs do País, Bolsonaro venceu em 967, enquanto Haddad
conquistou 33. Já nas mil cidades menos desenvolvidas, Haddad ganhou
em 975 e Bolsonaro em 25. Portanto, a campanha lulista conseguiu
penetrar nos grotões;
11. Nas 500 cidades brasileiras com
maior percentual de eleitores até 24 anos, Haddad venceu em 457. Já
nas 500 cidades com maior percentual de eleitores acima de 60 anos,
Bolsonaro venceu em 382;
12. Jair Bolsonaro se saiu melhor nos
Estados com maior eleitorado. Venceu a eleição em 16 Estados,
incluindo o Distrito Federal, enquanto Fernando Haddad ficou à
frente em 11 unidades da federação (no Nordeste). Ganhou do petista
por diferença mínima -- menos de 1 ponto percentual -- apenas no
Amazonas e no Amapá, onde obteve 50,5% e 50,2% dos votos válidos.
Venceu com uma diferença 16 pontos em Minas Gerais (com 58%),
segundo colégio eleitoral do país, representando 10% dos eleitores
brasileiros. Mas foi São Paulo, o maior colégio eleitoral do país
(com 20% dos eleitores), que garantiu sua vitória: 63% dos votos
válidos.
13. Em quatro Estados, Bolsonaro
obteve mais de 70% dos votos, chegando a 76% em Santa Catarina e 77%
no Acre, seus melhores resultados proporcionais.
14. Assim, houve confronto entre os
dois maiores colégios eleitorais regionais do país: Sudeste (o
maior, com mais de 43% dos eleitores) e Nordeste (com pouco mais de
26% dos eleitores);
15. As dificuldades de Bolsonaro,
neste momento, são de equacionamento das divergências internas:
entre militares nacionalistas e economistas e empresários
ultraliberais. Esta tensão pode ser exacerbada caso a agenda
econômica (ultraliberal, já anunciada pelo seu principal assessor
da área, o banqueiro Paulo Guedes), próxima à adotada por Michel
Temer, for posta em pauta. A frustração do eleitorado menos
abastado deverá seguir o caminho da impopularidade que acometeu o
governo Dilma Rousseff em 2015 e Michel Temer (que adotaram
justamente esta agenda);
16. Outro problema é a crise
econômica e de empregos que, segundo agências internacionais, não
deverá ser superada no próximo ano;
17. Outro ponto de estrangulamento é
a rejeição internacional que seu perfil de extrema-direita provocou
na Europa e EUA, entre a grande imprensa, governos e grandes
empresas;
18. Finalmente, terá que negociar com
o Baixo Clero do Congresso Nacional, sua origem parlamentar, que
demanda obras e recursos para suas bases eleitorais, pouco se
dedicando às agendas nacionais. As demandas pulverizadas e
agressivas tomarão muito tempo de negociação, como ocorreu nas
gestões anteriores;
19. Este cenário sombrio sugere que
seu governo deverá iniciar com pautas “quentes” mais populares,
possivelmente da área da segurança pública, exacerbando suas
diferenças com o campo progressista e de esquerda e procurando
aumentar sua gordura de popularidade para, então, desfechar a agenda
econômica;
20. Resta uma palavra sobre o campo
progressista. Bolsonaro é a última liderança do campo conservador.
Na verdade, é uma aposta arriscada numa liderança pouco equilibrada
e experiente e afeta aos arroubos de extrema-direita. Foram-se os
partidos de centro e centro-direita e candidatos “espetaculares”,
personalidades sem projeção no cenário político (mas, por isso
mesmo, mais fáceis de manipulação). O campo progressista sai
derrotado das urnas, mas pode se recompor a partir da agenda
econômica ultraliberal (que renderá grande frustração no
eleitorado popular) e nos ataques que a vitória de Bolsonaro deve
encorajar em grupos paramilitares ou mesmo segmentos reacionários,
racistas e sexistas;
21. Não há certeza de nada. Os
campos político e econômico continuam abertos e em crise. Os seis
primeiros meses podem ser de namoro com a agenda reacionária.
Veremos se permanece a partir daí.
Rudá Guedes Moisés Salerno Ricci (Tupã, 17 de outubro de 1962) é um cientista político formado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) na década de 80. Mestre em Representação Sindical no Brasil pela Unicamp e Doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. Diretor-geral do Instituto Cultiva em Minas Gerais.
Autor de Lulismo – Da Era dos Movimentos Sociais à Ascensão da Nova Classe Média Brasileira, em 2010; Nas Ruas, em 2013, sobre as manifestações populares que tomaram conta do país; e o mais recente, Memórias de 2014 - A eleição que não queria acabar, lançado em 2015.
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