Sem opção de trabalho, novas gerações de famílias acabam saindo da região. Roçado é dos poucos bicos ofertados.
postado em 17/04/2018 07:00 / atualizado em 17/04/2018, às 08:07 h, no Estado de Minas.
Minas Novas/Chapada do Norte/Jenipapo de Minas/Araçuaí – Tal como a pobreza e a seca predominantes no Vale do Jequitinhonha, o êxodo rural é um fenômeno antigo na região, diante da saída de milhares de pessoas em busca de sustento no corte de cana-de-açúcar, na colheita de outras lavouras e em atividades desenvolvidas em lugares distantes. Nos últimos anos, a saída dos moradores se intensificou, multiplicando, na zona rural, o número de casas abandonadas.
O cenário de cidade fantasma surge em diversas comunidades, a exemplo da Vila São José, em Jenipapo de Minas, como constatou a equipe do Estado de Minas ao percorrer o vale.
Em um paradoxo, a própria redução da oferta de trabalho nas áreas das usinas de açúcar e álcool do interior de São Paulo, onde a mecanização da colheita da cana expulsou os boias-frias, acabou contribuindo para aumentar o abandono das localidades rurais, também influenciado pelo agravamento dos efeitos da seca, que se intensificou nos últimos anos.
Isso porque a migração para o corte de cana é temporária: o marido deixa para trás a mulher e os filhos, para quem envia mensalmente o dinheiro ganho no duro trabalho braçal, que garante a feirinha e ajuda a movimentar o comércio nos pequenos municípios. Sem o trabalho temporário nas usinas – ou nas colheitas de café – e sem nenhuma perspectiva de alguma melhoria no lugar de origem, o jeito é se mudar para a cidade grande em busca de alguma oportunidade de trabalho, normalmente, na construção civil ou em algum serviço doméstico, devido à falta de instrução, indo embora com toda a família.
“A mecanização do corte de cana criou uma situação muito delicada para os trabalhadores daqui. Acabou o serviço. O pessoal tem que migrar mesmo, caçar algum servicinho fora. Na nossa região não tem empresas e chove muito pouco”, lamenta o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jenipapo de Minas, Antonio Pereira de Aguilar.
“Acho que teriam que trazer mais projetos de geração de empregos para que as pessoas que antes migravam para as usinas pudessem permanecer na região. Se tiver emprego, o pessoal não sai”, afirma Aguilar. “O trabalho no corte de cana gera sofrimento por ser um serviço pesado pelo fato de os homens terem que ir para longe. Mas sempre teve o lado bom, por garantir a sobrevivência das famílias aqui mesmo”, comenta Monica Moreira de Caldas, auxiliar administrativa do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jenipapo de Minas, cujo pai é um ex-cortador de cana, e, durante 24 anos seguidos, viajou para a labuta nas usinas do interior de São Paulo em busca de alguma renda para criar os seis filhos, deixados na zona rural de Jenipapo de Minas.
“Tenho orgulho de meu pai ter viajado muito tempo para o corte de cana, em busca do nosso sustento. Hoje, infelizmente, muitas pessoas querem trabalhar nas usinas, mas não encontram serviço e precisam ir embora”, reclama Mônica. Ela também comenta: “Não tenho lembrança do meu pai quando era pequena. Minha mãe conta que nasci em julho e ele estava fora e só voltou em dezembro. Eu estranhava ele”, conta.
Mônica é casada e mãe de uma filha de 3 anos. O marido dela, Vantuil Ferreira de Souza, de 30, também viaja para trabalhar fora. Durante vários anos trabalhou em usinas de açúcar e álcool em São Paulo, como “motorista de safra”. Agora, trabalha numa mineradora em outra região de Minas.
Gerações separadas
A necessidade de buscar trabalho fora e melhores condições de vida separa gerações da mesma casa. Muitos daqueles que antes viajavam para cortar cana, hoje, com idade mais avançada, estão longe dos filhos. Esse distanciamento é verificado na casa da aposentada Maria do Rosário Soares, de 68, moradora da localidade de Gravatá, no município de Chapada do Norte. Ela é mãe de sete filhos, que foram criados na maior parte do ano longe do pai, que viajava para o corte de cana em São Paulo.
Hoje, Maria do Rosário tem a presença permanente do marido, Joaquim Alves Soares, de 74, que está aposentado. Mas, tem somente a companhia de uma filha, Edileusa Soares Alves, cujo marido também migra todo ano para buscar o sustento em outras regiões. “Eles estão todos esparramados pelo mundo afora”, afirma a aposentada, se referindo à saída dos filhos para Belo Horizonte e São Paulo, em busca de trabalho.
Em Gravatá, a reportagem do EM encontrou várias casas abandonadas, com o aspecto de cidades fantasmas. A moradora Edileusa lamenta o esvaziamento da zona rural. “O pessoal quer ficar. Mas não tem jeito. As condições estão muito complicadas. Falta emprego”, reclama. Segundo ela, o único serviço que aparece de vez em quando na região é de capina ou roçado, com a remuneração de R$ 30 a R$ 50 por dia.
Em alguns casos, antigos moradores construíram casas confortáveis. Com a falta de emprego e renda, tiveram que deixar as habitações abandonadas, mas não perderam o vínculo com as origens, retornando pelo menos uma vez por anopara rever os parentes. Uma das casas vazias de Gravatá pertence a um antigo morador, que se mudou para Santos, no litoral paulista. “Ele só costuma vir aqui no final do ano”, informa Edileusa.
Produção local pode ser a saída
O estímulo à criação de arranjos produtivos locais, como a produção de artesanato, “uma das alternativas para conter o êxodo rural e melhorar as condições dos moradores do Jequitinhonha, altamente atingido pelo desemprego, “herança” ou não da mecanização do corte de cana em São Paulo. A sugestão é de Anderson Bertholi, pesquisador do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Ele coordenou a pesquisa “Os reflexos da transumância na organização sócio-espacial de Minas Novas – Os órfãos da cana”, que avalia as consequências da migração na região.
“A saída dos trabalhadores, agora dispensados pela economia de monopólio da cana para outros setores como o da construção civil, ainda não pode ser considerada um movimento consolidado”, diz Bertholi. O pesquisador ressalta que o estudo realizado pela Unimontes pode servir não somente para “expor uma ferida de décadas e que agora ganha contornos de drama”, mas também para “clarear outras possibilidades criadas pelo novo modelo de organização implementado pelas “viúvas de maridos vivos”. Na avaliação de Bertholi, esse modelo é o da “valorização da cultura local, dos produtos camponeses, da arte do barro, da palha, da culinária que valoriza essas formações ímpares desses rincões brasileiros”.
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