Vale do Jequitinhonha depende economicamente dos migrantes que partem em busca de trabalho.
Para pesquisadores, saída dos patriarcas deixa 'cicatrizes' profundas.
postado em 15/04/2018 06:00 / atualizado em 15/04/2018 08:01
Os moradores do Vale do Jequitinhonha, historicamente, têm uma dependência econômica da saída para o corte de cana. Mas a migração acabou interferindo no modo de vida na região, gerando um drama para os filhos criados longe dos pais. A opinião é do professor Anderson Bertholi, do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), que coordena o estudo “Os reflexos da transumância na organização socio-espacial de Minas Novas – Os órfãos da cana”, sobre os impactos da migração para o trabalho nos canaviais.
“Ficou evidente o drama enfrentado pelos filhos e filhas, uma vez que a ausência do pai como referência à construção dos valores familiares impôs, ao longo de décadas, um vazio que significou e significa uma espécie de morte da esperança. Paradoxalmente, essa mesma ausência tem sido a única alternativa de renda e perspectiva de uma, mesmo que pequena, melhora nas condições duras de vida no Vale”, afirma o pesquisador.
Conforme Bertholi, o estudo tem como objetivo fazer um diagnóstico completo desse movimento pelo espaço de todo o Vale do Jequitinhonha, tanto pelo viés da migração como daquele associado à renda. “Quantos e quem são os trabalhadores, da quantificação da renda e do atrelamento das famílias, portanto, dos órfãos filhos dos cortadores e dos órfãos do trabalho mecanizado a partir desta vinculação do lugar às empresas de fora”, explica. O levantamento foi iniciado em março do ano passado e ainda não tem data para terminar, por ser uma “pesquisa de fluxo contínuo”.
O professor lembra que, apesar de ajudar na sobrevivência da população castigada pela seca, a migração também deixa “cicatrizes” nas famílias. “Muitas são as cicatrizes deixadas por esse movimento, tanto numa perspectiva sociológica – da reorganização dos núcleos familiares, cujo papel a mulher se fez protagonista –, quanto geográfica no sentido de transformação desses lugares por uma materialidade precária, fruto da transferência de renda minguada”, comenta.
Também do Departamento de Geociências da Unimontes, a professora Gildete Soares Fonseca lembra que o “ato de migrar” envolve grande complexidade cultural, social, política, religiosa e, principalmente, econômica. “No caso de municípios da mesorregião Jequitinhonha e Norte de Minas, a migração temporária ou permanente faz parte da história da população. Representa emancipação social, devido aos baixos indicadores socioeconômicos. Assim, a alternativa para a sobrevivência de muitas famílias é sem dúvida a migração temporária. Conforme as safras, (as pessoas) migram para o corte de cana, para colheita de café, entre outras atividades”, salienta Gildete, que fez estudo sobre o processo migratório na região ao concluir doutorado na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
A pesquisadora ressalta que, “em relação à repercussão da migração nas famílias e na territorialidade local, podemos pontuar que é nítida a reprodução de geração a geração, ou seja, tornam-se culturais as ‘idas e vindas’”.
“Os recursos financeiros são aplicados na melhoria das casas, na aquisição de veículos, na alimentação da família. Portanto, existe movimentação do dinheiro no comércio local, o que é considerado positivo por muitos governantes municipais”, analisa. Por outro lado, Gildete observa, “existe a incerteza do retorno ao sair, a dor de muitas esposas na perda de filhos, maridos, assim como a luta diária de sobrevivência dos que ficam e dos que vão, pois em geral são longas horas de trabalho e nem sempre os direitos trabalhistas são garantidos”.
Migrar é um ato de estratégia de sobrevivência, com atividades de trabalhos diversas.
A ausência do homem faz brotar o protagonismo feminino.
Desde o final da década de 70, os estudos migratórios do Vale do Jequitinhonha têm focado na atividade do corte da cana, no interior de São Paulo. Desde a publicação de "Os deserdados da Terra" - a questão agrária, expulsão da terra e migração pras metrópoles - tese de doutorado de Margarida Maria Moura, antropóloga da USP, várias pesquisas seguiram a mesma trilha. Há escassas referências de movimentos em direção ao Mato Grosso, Goiás e Sul da Bahia. Depois, o sociólogo José de Sousa Martins, também da USP, publicou, em 86, "O vôo das andorinhas: migrações temporárias no Brasil", destacando a região do Médio Jequitinhonha, com o artigo "Não há terras pra plantar neste verão".
Ricardo Ribeiro, da PUC Minas, abordou o projeto de modernização do campo com a introdução do plantio do eucalipto e a expulsão da terra dos camponeses no Alto Jequitinhonha.
Outros estudos, na metodologia da pesquisa participativa, inclusive de resistência e resiliência de agricultores familiares, foram realizados pelo professor da UFMG, Eduardo Magalhães, do campus de Ciências Agrárias de Montes Claros.
A mecanização do corte da cana tem levado as novas gerações de migrantes a procurarem outras estratégicas de sobrevivência.
Há mais 20 anos, a migração para a colheita do café, em períodos mais curtos que o do corte da cana - geralmente, de abril a setembro - já é uma constante. As regiões procuradas são as regiões de Franca, interior de São Paulo, e sul de Minas.
Outro movimento surgido mais recentemente, em um espaço de 15 anos, é a ocupação em serviços de venda nas praias, entre dezembro e fevereiro. Os jovens, inclusive moradores das cidades, têm feito movimentos para trabalhos de venda de produtos (alimentos, roupas e outros utensílios, etc) em praias no sul da Bahia, no litoral paulista e catarinense.
O movimento migratório para o polo calçadista de Nova Serrana, a 120 km de BH, na Região Central, esvaziou a cidade de Angelândia e Capelinha . Dos cerca de 16 mil trabalhadores na indústria de calçados em Nova Serrana e cidade vizinhas, cerca de 10 mil são originários do Vale do Jequitinhonha, principalmente de Angelândia e Capelinha, mas também de outros municípios do Vale.
Portanto, a vida de migrante temporário tem sido uma constante em diversas gerações no Vale do Jequitinhonha, desde a década de 50 do século passado . As atividades de trabalho é que mudam.
São de muita importância os trabalhos de pesquisa dos professores da Unimontes, Anderson Bertholi e de Gildete Soares Fonseca, sobre o ato histórico-cultural das migrações e os impactos sócio-familiares.
O protagonismo feminino, para mim, é um fenômeno que salta aos olhos. É bem provável que os dois estudos destaquem o fato. Com a ausência do homem, a mulher tem sido a referência principal na formação da família, na educação dos filhos, na administração da casa e da pequena propriedade. É a mulher que vem também ocupando espaços de lideranças em organizações comunitárias e na estrutura sindical, elegendo-se para a diretoria e presidência dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais.
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