segunda-feira, 26 de março de 2018

Caravana de Lula atravessa Sul do País entre aplausos e o ódio

por Murilo Matias — publicado na Carta Capital , em 24/03/2018 , às 11h28 h

Ao contrário da viagem pelo Nordeste, o ex-presidente teve de lidar com grupos extremistas em uma região tradicionalmente polarizada.
Ricardo Stuckert
Caravana de Lula
Lula discursa em São Borja, terra de Jango e Getúlio Vargas.
Assim como no Nordeste, a caravanado ex-presidente Lula pelo sul do Brasil tem se deparado com bloqueios durante os trajetos da viagem. Se na parte de cima do país o motivo das paradas era o clamor popular e sentimento de gratidão pela passagem do líder petista, na parte debaixo do mapa nacional a terra que se orgulha da polarização constrange pela violência.
Grupos conservadores têm desafiado a comitiva que, depois do Rio Grande do Sul, ainda passará por Santa Catarina e Paraná, uma programação de dez dias por mais de vinte cidades da região. 
Enquanto de um lado grupos tentam impedir as atividades, movimentos sociais, militância e apoiadores não recuam diante da agressividade e garantem a Lula sua energia vital, o contato com o povo. Foi assim que desde segunda-feira, dia 19, o ex-presidente visitou universidades, ocupações, institutos federais e locais históricos do estado, como São Borja e Santana do Livramento.
Na Universidade Federal de Santa Maria, que teve o orçamento ampliado nas gestões de esquerda com planos de reestruturação, políticas de cotas e aumento da assistência e das bolsas estudantis, grupos formados essencialmente por homens brancos contrastavam com a valentia de jovens estudantes, boa parte de mulheres e negras na visita do ex-presidente à instituição.
"Quando entrei nessa universidade em 1969 havia dois negros, voltei em 2009 para fazer mestrado em Ciências Sociais. Ali começava uma representação interessante de negros, que hoje chegam a 30%, além da presença de indígenas, deficientes e pobres", compara Maria Dutra, aluna de 70 anos que cursa doutorado sobre o tema das cotas.
"Isso cria clima de estranhamento, pois a educação era para a classe dominante e agora estamos ocupando nossos espaços e lutando junto de Lula para ele colher tudo o que semeou pelo bem do povo, da inclusão social, da igualdade racial. Isso desagrada aos conservadores, infelizmente."
A oposição a Lula se manifestou já no primeiro dia. Aproximadamente 50 tratores de latifundiários colocados perto da fronteira com o Uruguai buscavam intimidar com suas máquinas, muitas compradas através da abertura de linhas de crédito em bancos públicos pelos governos do PT.
As tentativas de bloqueio foram intensificadas em alguns pontos do deslocamento com o arremesso de ovos e pedras nos ônibus. Os episódios foram denunciados pela presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, que cobrou do poder público a garantia de segurança à comitiva. Ela reúne ainda a ex-presidenta Dilma Rousseff, deputados estaduais, federais e equipes de trabalho.  
Em um dos estados mais alinhados ao governo de Michel Temer, o crescimento do Movimento Brasil Livre (MBL), financiado por grandes empresas, dá cara ao ódio suscitado por meios de comunicação e pela perseguição judicial a Lula e aos lutadores sociais, bem sintetizado nos gritos de "não vai terra", dirigido ao Movimento dos Sem Terra (MST).
Em nota, a bancada do PT na Assembleia Legislativo do Rio Grande do Sul chamou os extremistas que perseguem a caravana desde Bajé de "bandidos" por terem atentado "contra a integridade física da militância e da população que participa das atividades". O partido afirmou que as militantes Ieda Alves e Daniele Mendes foram agredidas. "Arrancaram a bandeira da Daniele e queimaram. Ieda foi derrubada no chão e só não foi espancada porque a Brigada chegou e agiu." Segundo o partido, elas fizeram boletim de Ocorrência.
Já Suzana Machado Ritter, diz a legenda, foi atacada quando estava indo para  a manifestação.  Ela também teve uma bandeira arrancada de sua mão. Segundo Suzana, sua maior dor foi ver destruída a flâmula petista que tinha desde 1989, autografada pelo ex-presidente. De acordo com o partido, ela foi espancada e teve de ser hospitalizada.
"Temos preocupação com a integridade. O fascismo passou da fase da agressão verbal para a ação física tentando intimidar a caravana, mas seguiremos até o final", destaca o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS).
A página do Facebook #NasRuas, por exemplo, postou uma foto de um militante sendo chicoteado por um extremista e comemorou a agressão. "Petistas levam surra de chicote dos gaúchos em Santa Maria! Será que o Lula levou uma chibatada no lombo também?"
Petistas levam surra de chicote dos gaúchos em Santa Maria!
Será que o Lula levou uma chibatada no lombo também?
As ameaças exigem que contingentes da polícia sejam constantemente deslocadas e estejam atentas a possibilidade de confrontos, contrariando uma das máximas dos liberais, dado o gasto que representa a presença das autoridades. Membros do MST, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e os profissionais da segurança do ex-presidente monitoram as táticas e provocações que partem dos extremistas de direita.      
Encontro com o legado e com a história
Embora em ano de eleição, o ex-presidente Lula não coloca a questão eleitoral como a mais importante para a caravana. A visita a áreas de baixa densidade demográfica comprova que o maior objetivo é o encontro com as transformações realizadas a partir dos 13 anos de administração petistas - Ronda Alta, São Vicente do Sul e São Miguel das Missões, todos municípios com menos de dez mil habitantes, estavam no roteiro.
Nesses e em outros locais, pequenos agricultores em Cruz Alta, indígenas da etnia Guarani e Kaigang na área missioneira, participantes de coletivos por moradia em Santa Maria e pela terra em Palmeira das Missões, além de informais e assalariados relembraram programas sociais como Luz para Todos, Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Mais Médicos e a valorização do salário mínimo, que seguem como referência para a classe trabalhadora.
"Lula está no nosso coração e queremos ele como presidente pelo Bolsa Família, pelo "Minha Casa, Minha Vida", por estar ao lado dos trabalhadores. Acredito que ele vai fazer ainda mais e melhor por nós e nossos filhos", afirma a pescadora Ana dos Santos, em São Borja. Com a praça lotada o ex-presidente ressaltou o protagonismo de líderes como os ex-presidentes Getúlio Vargas e João Goulart, nascidos na cidade, onde também está enterrado o ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, ícones das forças progressistas.
"Getúlio brigou pela soberania nacional e criou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), Jango tentou promover reformas de base, incluindo a agrária e urbana e Lula foi o presidente que acabou com a fome e diminuiu a desigualdade social. É esse país que queremos pra nós e nossos vizinhos sulamericanos", declarou Maria Seixas, professora aposentada.
A ênfase à relação com a América Latina foi outro ponto alto dos encontros e uma novidade com relação às outras caravanas. Uma agenda em Santana do Livramento reuniu além dos mandatários brasileiros, o ex-presidentes do Uruguai, Pepe Mujica e do Equador, Rafael Correa, ambos denunciaram a perseguição judicial empreendida contra os que ousam atuar pela integração do subcontinente e desenvolvimento de políticas para os mais necessitados. 
Em Foz do Iguaçu, no limite entre Paraguai e Brasil, novo evento terá a presenças dos senadores Cristina Kirchner e Fernando Lugo, ex-chefes de estado da Argentina e do Paraguai.
Para além das histórias de transformação, o futuro nacional foi pauta ao tratar-se de assuntos como a proposta de uma constituinte e a realização de referendo revogatória para derrubar as recém aprovadas reformas trabalhistas e a PEC de congelamento dos gastos públicos. A federalização do ensino médio e a democratização da mídia também foram destacadas no caminho da caravana, que embora tenha encontrado obstáculos, consolidou-se como um marco de cidadania em meio à situação de golpe e restrição de direitos vivenciadas pelo país.
"Vocês sabem o que fizemos em 12 anos de governo. Enquanto para eles que falam em corrupção sobra dinheiro para nos seguir e soltar foguetes, nós temos a verdade do nosso lado. Eu procuro a razão para o ódio deles a mim e ao PT e a única explicação é que eles não desejam que o trabalhador seja respeitado. Eu sempre digo, não se preocupem comigo, sofrendo mais do que eu existem 14 milhões de brasileiros desempregados. Se eu voltar vou fazer o povo sorrir novamente e sonhar do tamanho do Brasil", declarou o ex-presidente Lula.
Publicado na Carta Capital, em 23.03.201
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