Empresa disse que obras serão reiniciadas em 2018.
Foto: Sérgio Vasconcelos
Mato toma conta da área onde esgoto deveria ser tratado.
Duas obras da Copanor, em Francisco Badaró, no Vale do Jequitinhonha (MG), que deveriam representar a melhoria da qualidade de vida da população, se transformaram em decepção, temperada com revolta e indignação.
Sem previsão para ser concluída, a construção de uma Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) , está abandonada há quatro anos.
A outra obra- um sistema de abastecimento de água- para amenizar os efeitos da seca em comunidades rurais, também está paralisada. Apenas dois tanques de concreto foram construídos. Tudo está abandonado. Para concluir a rede, serão necessários recursos na ordem de R$ 3 milhões.
A Copanor, subsidiária da Copasa, informou que as obras para construção da ETE foram orçadas em R$ 5, 5 milhões ( Cinco milhões e quinhentos mil reais).
...E O VENTO LEVOU
A Estação de Tratamento de Esgotos -ETE- começou a ser construída no final de 2010 . Três anos depois, a obra foi paralisada e, até agora, nada funciona no local. Apenas parte da estrutura foi concluída. A última intervenção, foi em junho de 2013, quando a empresa ML Paineis Elétricos, com sede em Contagem, (MG) instalou os painéis de energia .
As obras da ETE estavam sendo executadas pela empresa paulistana, Stemag Engenharia e Construções e a Exponencial Engenharia, fundada em 1990 e com sede em Belo Horizonte. As empresas abandonaram a obra e deram calote na praça, deixando de pagar fornecedores, funcionários e aluguéis de casa, segundo informações do escritório local da Copanor.
O terreno onde fica a Estação foi doado por um produtor rural que atualmente mora em São Paulo. O espaço tem cerca de 2 mil metros quadrados e fica a pouco mais de 1 km do centro da cidade, às margens do Córrego Sucuriú e da rodovia LMG 676.
Toda a estrutura está abandonada. A área cercada foi tomada pelo mato e por animais que entram no local. Na entrada, várias manilhas de cimento já estão com parte da base enterrada na areia. Elas chegaram a ser usadas em uma ponte sobre o Córrego Sucuriú, e que dava acesso à ETE. A ponte foi destruída pela própria empresa responsável pela obra.
INDIGNAÇÃO
A população está revoltada com a paralisação da obra. “A gente vê gastar um dinheirão aí e depois ficar parado , sem terminar a obra, né? A gente fica muito revoltado”, diz Geraldo Santos de Oliveira, de 56 anos, morador da avenida João Paulo II, na entrada da cidade.
A paralisação afeta diretamente a saúde e o cotidiano da família do lavrador. “ Desce esgoto a céu aberto de todos os bairros da parte alta e aqui fica parecendo um rio. Não suportamos mais o mau cheiro. Falaram que é entupimento”, diz o homem que mora com um tia de 93 anos , a mulher de 55 e dois filhos de 20 e 22 anos. “ Quando o sol esquenta, a situação piora. Na hora do almoço, somos obrigados a tolerar um monte de urubus que ficam sobrevoando o local.
O escritório local da Copanor, culpou moradores do alto da cidade, pelo problema. " Muitos fizeram gatos,ligando o esgoto da casa deles, na rede da ETE que ainda não está pronta. Isso acaba provocando os vazamentos",diz a Copanor.
O município de Francisco Badaró possui cerca de 10.500 habitantes sendo 3.900 residentes na zona urbana, onde existem pelo menos, 1.500 residências ligadas à rede de abastecimento de água da Copanor. Não há cobrança da taxa de esgoto.
DINHEIRO NA LAMA
O descaso e a irresponsabilidade com o dinheiro público por parte dos governos federal e estadual, são vistos a céu aberto, ao longo das margens do Córrego Sucuriú.
O ex-prefeito José João de Figueiró Guido, conta que durante o segundo mandato do pai dele, José Maria Figueiró (1997-2000) , A Copasa, construiu um sistema de captação de esgotos que atendia apenas o centro da cidade. A bacia de contenção dos resíduos foi feita no mesmo local onde hoje está sendo construída a ETE da Copanor.
O sistema funcionou por algum tempo e hoje toda a estrutura está danificada mas continua sendo utilizada. " Na época, Eduardo Azeredo era governador. O projeto não teve nenhuma participação da prefeitura", lembra o ex-prefeito
Através de um pequeno caminho, às margens do córrego Sucuriú, é possível ver o serviço mal feito e prejudicial ao meio ambiente. Parte da tubulação de concreto da rede interceptora está entupida, e a outra, mesmo inutilizada, ainda recebe o esgoto da cidade.
Com o transbordamento todo o material orgânico vai parar no leito do córrego que está assoreado há décadas.
" Se a ETE estivesse funcionando, o córrego já estaria limpo e correndo água, já que após o tratamento de esgoto pela estação, a água retorna com pelo menos 90% de pureza para o rio. A população reclama dos esgotos mas só podemos ligar a rede quando a ETE for entregue oficialmente à Copanor", informam os funcionários do escritório local da empresa.
Na época das cheias, o centro da cidade sofre com as inundações, que deixam um rastro de destruição provocado pela avalanche de lama, lixo, entulho e prejuízos para os comerciantes da região.
Os moradores acreditam que a saída para o problema seria a conclusão da ETE, a limpeza e canalização do córrego e a construção de uma barragem na cabeceira. As obras de canalização e urbanização dependem de repasses federais.“ É uma obra de milhões de reais que a prefeitura não tem como bancar e nem o governo tem interesse de investir aqui”, acredita o ex-prefeito José João.
Uma das três elevatórias para bombeamento do esgoto para a Estação de Tratamento, foi construída na região central da cidade. Tudo está abandonado e sofrendo a ação do tempo.
De acordo com informações do escritório local da Copanor em Francisco Badaró, pelo menos 70% das obras da Estação de Tratamento de Esgotos, já foram concluídas. Segundo o funcionário Gildásio Dias, " Falta construir a rede coletora da região central e instalar o conjunto de motobombas nas três elevatórias que vão captar o esgoto dos bairros Esplanada, Nossa Senhora de Fátima e centro e fazer as ligações das residências",disse ele.
A ETE terá capacidade para tratar cerca de 36 mil litros de esgoto por hora.
ESPERANÇA SÓ EM DEUS, DIZEM OS MORADORES DE BARREIROS
Outro de dia de sol implacável. Os moradores da Comunidade de Barreiros, a 18 km de Francisco Badaró, quase não conseguem sustentar a esperança que invadiu o coração deles dois anos atrás, com a promessa de que a água chegaria em suas casas, através de um programa da Copanor, que prometeu levar água tratada para os cerca de 1.600 habitantes do lugar. As obras não avançaram e a situação de abastecimento de água continua precária.
“Eu não tenho esperança dessa água chegar aqui. Esperança só em Deus”,” diz o pequeno agricultor, João Rabelo da Costa, 66 anos;
O lugar é abastecido por dois poços artesianos, mas a água não é tratada, e não raro, as torneiras ficam secas. A salvação, segundo Claúdio Ribeiro da Silva, 45 anos, líder comunitário do lugar, foi a instalação em 2016, de 105 caixas para captar água da chuva, com capacidade para 16 mil litros. O projeto foi executado pela ASA-Articulação do Semiárido- com apoio do governo federal.
O quadro de desperdício do dinheiro público, pode ser visto em meio a estiagem e a estrada de terra vermelha, entremeada por um sobe e desce ladeira que liga Francisco Badaró ao distrito de Barreiros, a 18 km do centro da cidade.
A obra para salvar os moradores de quatro comunidades rurais arrasadas pela seca, começou em meados de 2015 e resultou apenas na construção de dois reservatórios de concreto. Pela previsão inicial, até o fim de 2016 ela estaria concluída, mas acabou sendo abandonada pela metade.
Os dois reservatórios, com capacidade para 30 mil litros cada, levaria água do Rio Setúbal, a 16 km de Francisco Badaró, para a Estação de Tratamento de Água da cidade e de lá, para os dois reservatórios, responsáveis por distribuir a água para as comunidades .
Um dos reservatórios, construído no alto de um morro na saída da cidade, atenderia ainda moradores do bairro São Geraldo, em Francisco Badaró, e o outro, construído às margens de uma estrada encoberta pela poeira vermelha, abasteceria as comunidades de Barreiros, Empoeira, Zabelê, Ribeirão de Areia e São João de Cima, beneficiando pelo menos 1.600 moradores.
Na região, a seca não poupa nada. E ela nunca pareceu tão cruel quanto agora, no mesmo cenário de uma obra orçada em cerca de R$ 5 milhões, por onde ainda não escorreu uma gota de água sequer.
A obra foi anunciada com empolgação no distrito de Barreiros, pelo ex-presidente da Copanor Frank Dechamps Lamas,o então prefeito Sérgio Mendes (PV), que não pode concorrer às ùltimas eleições e cujo candidato apoiado por ele, foi derrotado nas urnas e o diretor da empresa responsável pela construção.
O projeto não foi concluído. Falta instalar equipamentos e fazer a rede que permitiria chegar a água até as casas dos moradores das comunidades. O atual governo não sabe se haverá recursos para finalizar as obras.
FRUSTRAÇÃO
Para piorar a situação, o nível da água do reservatório da cidade está reduzido, porque a Copanor não investiu na melhoria do sistema . A população aumentou e a vazão de 7 litros por segundo, é a mesma de 15 anos atrás. Seriam necessários pelo menos 10 litros por segundo, para atender Francisco Badaró e o distrito de Tocoiós, a 14 km do centro da cidade e que conta com os serviços da empresa.. Por conta disso, a cidade tem de conviver com o rodízio do abastecimento. " Já chegamos a ficar até três dias sem água". contam os moradores.
A Copanor alega que as obras são muito mais complexas do que o imaginado no projeto inicial .
“A gente se sente frustrado porque é muito dinheiro público investido e as obras ‘tudo’ abandonadas e paradas. A gente agora ‘tá’ com dúvida, porque o descaso ‘tá’ muito grande, a gente fica com o pé atrás agora, não dá mais para confiar”, desabafa o lavrador Antonio de Alexandre Nogueira,68 anos, residente no distrito de Barreiros.
Para concluir o projeto, serão necessárias novas licitações.
CALOTE
Além de paralisar as obras, as empresas contratadas pela Copanor para construir a ETE, deixaram um rastro de calote em Francisco Badaró. Uma das vítimas é o marceneiro Pedro Ribeiro Primo, de 46 anos. Ele tenta desde 2015 receber a indenização pelo uso de um terreno da irmã dele, no bairro de Fátima.
Na área. que fica aos fundos da casa do marceneiro, foi construído uma elevatória para captação de água bruta. O marceneiro conta que mora em São Paulo e é a terceira vez que vai a Francisco Badaró na tentativa de um acordo. "As promessas que me fizeram eram tão boas, que se cumprissem, não precisariam nem me pagar. Não vamos fornecer o documento enquanto não recebermos o dinheiro. Vou acionar a Justiça", garante o marceneiro que se diz revoltado com o abandono da obra. " É muito dinheiro público jogado fora", desabafa Pedro Ribeiro.
O QUE DIZ A COPANOR
A reportagem entrou em contato com a presidência da Copanor. O atual presidente, Alonso Reis (PT), ex-prefeito de Porteirinha , informou através de nota, que a obra para conclusão do Sistema de Esgotamento Sanitário de Francisco Badaró está incluída em um conjunto de outras obras com valor aproximado de R$12 milhões, programadas para vários municípios da região, cujo processo de licitação está em curso. " Nesse momento, não temos condições de informar uma previsão de reinício da ETE", diz Alonso Reis.
Segundo ele, seria necessário pelo menos R$ 1 milhão para concluir o restante da obra e colocar a ETE para funcionar.
As construtoras Stemag e a Exponencial Engenharia não se manifestaram.
O atual prefeito de Francisco Badaró, Adelino Pinheiro Santos (PDT), disse que esteve por duas vezes com o presidente da Copanor para cobrar a finalização das obras mas recebeu apenas a promessa de melhoria do sistema de abastecimento de água da cidade.
PROMESSAS
Em dezembro de 2015, Alonso Reis anunciou que, para 2016, haveria um orçamento de R$ 60 milhões para conclusão de obras e mais de R$ 50 milhões (retirados do Fundo de Erradicação da Miséria), para melhorias dos atuais sistemas de água e esgoto existentes nas regiões dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. “Serão mais bombas, equipamentos e consertos das redes”, destacou o presidente.
Em outubro de 2016, Alonso Reis da Silva, garantiu aos prefeitos, vereadores, secretários e demais lideranças políticas dos Vales do Mucuri e do Jequitinhonha o término de todas as obras de saneamento paralisadas.. “Das 121 obras de implantação e operação de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário que encontramos abandonadas, 59 já foram reiniciadas em nossa gestão. E todas serão terminadas, conforme orientação que temos do governador", afirmou Alonso Reis.
As revelação foram feitas em audiências pública da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa (ALMG), convocadas para discutir a situação da água e do sistema de esgotamento sanitário e os impactos desses serviços na saúde das populações dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri.
A Copanor utiliza, desde que foi criada em 2007, recursos transferidos do Fundo Estadual de Saúde, por meio da Secretaria de Estado de Saúde.
O objetivo da empresa é implantar e operar os sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário em localidades com população entre 200 e até cinco mil habitantes dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. A atuação dela na região sempre foi criticada pelos prefeitos.
Em Francisco Badaró, o slogan da Copanor- Saneamento é Cidadania- tornou-se apenas uma frase pintada na parede . Nada mais.
Sérgio Vasconcelos Repórter, na Gazeta de Araçuaí
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