Cantor será sepultado nesta terça-feira (2) em Fortaleza.
Foto: Marconi
Belchior e Sérgio Vasconcelos em Araçuai. Ao fundo, o violonista Gilvan de Oliveira, durante o último show do cantor em Araçuai.
Tomei conhecimento da morte de Belchior, no final da manhã de domingo (30), através de um post do amigo Jackson Martins. Ao abrir os jornais, estava lá confirmada a triste notícia.
Lembrei-me então do nosso encontro em Araçuai, no Vale do Jequitinhonha, lá pelos idos de 2007. Creio que foi um dos últimos shows de Belchior, acompanhado por Gilvan de Oliveira, mago do violão.
Dias antes do espetáculo, realizado no Planalto Tênis Clube, o amigo e produtor cultural Jackson Martins, responsável pelas idas de Belchior àquelas terras perdidas no oco do mundo, me liga e comunica sobre a ida do artista à Araçuai, e que, se eu quisesse uma entrevista, ficasse à vontade.
Pedido atendido, assim foi feito. Passava de 1 hora da manhã quando entrei no camarim do músico, no Planalto Tênis Clube. Do lado de fora, após o show, fãs esperavam o momento de também ficarem pertinho do cantor e fazer aquela foto.
Perguntei a Belchior se não podíamos conversar no dia seguinte no hotel, e ele, com a educação que lhe era peculiar respondeu: prefiro agora, amanhã é outro dia e quero dormir até acordar (risos).
Preferi não anotar nada e a entrevista transcorreu como uma conversa entre dois amigos.
Eu estava diante de um gênio que nunca teve o reconhecimento à altura.
Quis saber de onde ele extraía tanta inspiração e ele me falou das leituras de obras de poetas como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Ezra Pound, Elizabeth Bishop e William Carlos William.
Um compositor refinado, cujas referências poéticas passavam também por Fernando Pessoa, Arthur Rimbaud, T.S. Elliott e João Cabral de Melo Neto.
Perguntei a ele o que achava de ser comparado com o americano Bob Dylan. Ele deu um sorriso tímido e respondeu: - Acredito que deva ser por causa do timbre anasalado e os longos versos espremidos nas canções, às vezes de forma falada”- afirmou Belchior.
Disse a ele que eu também havia feito algumas incursões na poesia, com a publicação de dois livros, e ele completou dizendo que a poesia lavava a alma.
No meio da conversa, Belchior interpela o parceiro, Gilvan de Oliveira, que arrumava a traia de músico, lembrando a ele que os dois ainda precisavam jantar. Os fãs foram entrando, e Belchior atendeu a todos, posando para fotos.
Nos bastidores, costumamos ver muita gente triste e frustrada. Mas Belchior, naquela noite, exalava uma certa paz interior. Creio que aquela foi uma das suas últimas apresentações. Depois, ele mergulhou na reclusão, até morrer, no final da noite deste sábado (29).
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Nosso encontro foi de pelo menos 20 minutos sensacionais, sem tietagem.
Ao final do encontro, do bate-papo descontraído, mas sério e cheio de ótimas mensagens, ele voltou-se para mim e disse: “ rapaz, você estava emocionado, e isso demonstra a pureza de sua alma. Vamos fazer uma foto”. Eu realmente estava muito emocionado. Isso porque eu conversava com uma mente privilegiada em cultura e de talento cortante, cujas músicas povoaram a inquietude da minha juventude. A foto foi feita pelo fotógrafo Marconi e é a imagem que ilustra este artigo.
Naquele momento, eu pude perceber a força da interpretação daquele que será eternamente, um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes, importantes e vindo do interior.
O poeta tinha razão. Eu quero é que esse canto torto, feito faca, corte a carne de vocês. E digo, “Viver é melhor que sonhar”, Viva Belchior.
Sérgio Vasconcelos
Repórter
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