Os monstros estão à solta
PUBLICADO EM 26/01/17 - 03h00
O Aeroporto Internacional de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, foi palco, no último dia 19, de uma cena emblemática dos tempos sombrios que atravessamos. Ao desembarcar em terras mineiras, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) foi recebido como um herói. Mais do que inusitado, o episódio é estarrecedor, por se tratar do principal representante de um discurso neofascista, de intolerância e preconceito, que avança pelo país.
A manifestação não foi espontânea, mas nem por isso deixa de dar uma dimensão dos monstros que crescem a olhos vistos em nossa sociedade, como a validar o alerta do filósofo Friedrich Nietzsche: “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”.
Em “Além do Bem e do Mal”, Nietzsche discute dois conceitos que se adéquam bem ao cenário atual. Um deles é a “vontade de poder”, que permitiria ao indivíduo desenvolver seu potencial máximo, de modo a se tornar um super-homem, que estaria acima das massas. O outro conceito é a “moral do senhor”, que, em contraposição à do escravo, seria a única capaz de apontar o bom, o verdadeiro e o belo, devendo ser imposta e seguida.
Nietzsche fala dos abismos interiores dos indivíduos, que, em suas lutas com monstros, se defrontam com os próprios demônios. E a quantas monstruosidades não temos assistido no Brasil! A começar pela sangrenta crise no sistema carcerário, mais um reflexo do retrocesso trazido pelo “desgoverno” de Michel Temer, assim como a perda de valores éticos e o desmonte dos direitos.
Nossos piores monstros, porém, não estão nas cadeias, mas no abismo da desigualdade social. Levantamento recente mostrou que no Brasil seis privilegiados detêm riqueza maior que 104 milhões de pessoas, cerca de 50% da população. Este é, com certeza, um dos fatores que levam à superlotação dos presídios e ao avanço da criminalidade. Alia-se a um Poder Judiciário que vê no encarceramento a única solução, fazendo com que os autores de pequenos delitos representem 80% da população carcerária do país, numa evidente criminalização da pobreza.
Enquanto isso, os piores monstros permanecem à solta. Estão na mentalidade tacanha e vingativa de parcela de nosso povo, que, manipulada por “Bolsonaros”, comemora as chacinas nos presídios. Estão nos abismos interiores que, em tempos de crise política, econômica e ética, encontram campo fértil para se revelarem.
Há que se resgatar valores e buscar caminhos. A crise, seja prisional, econômica ou social, é fundamentalmente política, e a saída também. Para não nos tornarmos monstros, precisamos retomar as lutas pelos direitos, pelo resgate da dignidade humana e das causas dos pobres, dos índios, dos negros, dos imigrantes, das mulheres e de LGBTs. Devemos ter a coragem de nadar contra a maré, por uma assembleia constituinte popular e democrática, capaz de construir um novo modelo político, ético e representativo. Acautelar, nesse caso, é sinônimo de participação social.
Durval Ângelo é deputado estadual (PT) e líder do Governo na Assembléia de Minas Gerais.
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