PRIMEIRO DIA
Nascendo em boas mãos
28/12/16 - 20H11
Os destaques do nosso estimulante primeiro dia de Expedição guardam uma poética coincidência: das mãos da falecida parteira Dona Santinha, cujo viúvo e filho nos acolheram em sua casa, nasceram mais de 500 pessoas, e nas mãos do povo de Milho Verde e, em especial, dos colegas da APA Águas das Vertentes, está a responsabilidade de manter preservada a caudalosa nascente do Rio Jequitinhonha.
Para nossa dificuldade, mas para felicidade do fluxo do Jequi, a principal nascente fica escondida no meio de uma mata atlântica bem fechada. Os companheiros Paulinho e Anderson, funcionários da Área de Proteção Ambiental Água das Vertentes, nos acompanharam de maneira fundamental na jornada. Após cerca de 15 km de estrada de chão vislumbramos do alto do morro toda a bacia onde nasce o Rio, escondido dentro de um vale coberto pelas verdes copas das árvores.
Depois, seguimos a pé mata a dentro, inclusive atravessando uma pinguela minúscula, até chegar a frias águas bem próximas do nascedouro.
Segundo nossos colegas, a nascente está relativamente bem protegida, apesar da constante ação degradante do garimpo mecanizado e dos fazendeiros que queimam áreas para pastagem de gado. A seca sempre é uma ameaça e vez ou outra alguns ‘olhos’ secam, mas nesse ano as chuvas estão cooperando e as águas já estão começando caudalosas. Além disso, as queimadas, que exigem tanto desses e de outros bravos defensores da natureza, estão um pouco menos recorrentes.
Na área urbana de Milho Verde, ficamos bastante surpresos com a beleza e organização do vilarejo e com a quantidade de opções de bares, restaurantes, pousadas, áreas de camping, lojinhas de artesanato e outros atrativos para os turistas. O Reveillon movimenta ainda mais o comércio local. É dar inveja em muita cidade bem maior.
Por sugestão do historiador de Grão Mogol, meu sogro Élcio – que ademais é um dos grandes ‘culpados’ por nosso amor e conhecimento sobre o Vale – procuramos por Dona Santinha, famosa parteira que participa do documentário O Fim do Sem Fim, de 2001 do diretor Cao Guimarães, que traz personagens brasileiros em ofícios à beira da extinção – incluindo o próprio Seu Élcio, então tabelião que escrevia os documentos cartoriais à mão. O italiano do restaurante onde almoçamos nos deu a triste notícia do falecimento de Dona Santinha em 2007, mas a boa de que seu filho e seu viúvo moravam duas casas ao lado, bem próximo da igrejinha Nossa Senhora do Rosário, a principal de Milho Verde.
Natércio, o filho, e Amantino, o viúvo – na simpatia e lucidez de seus 89 anos -, acolheram-nos como se velhos conhecidos fossemos, nos contaram boas histórias da vida e do legado de Dona Santinha e nos apresentaram a belíssima forma em que a família mantêm viva a memória e a bondade de Santa: um presépio na sala de entrada, enfeitado com plantas da região e que é montado da mesma forma desde que a parteira começou o projeto, quando ainda morava na zona rural. A reza realmente era forte: Santinha nunca teve um óbito em suas mãos. Agora, com a enfim existência de um posto de saúde em Milho Verde, o nome não podia ser outro: Unidade de Saúde Dona Santinha.
A imagem do Menino Jesus daquele presépio, descansado sob os musgos das serras de Milho Verde, celebra de modo abençoado o início da Expedição: nasceu para nos salvar; enquanto Santinha nasceu para salvar muitos nascimentos, e os abençoados moradores de Milho Verde nasceram para salvar o Jequitinhonha.
Depois de um dia com tanta vida, seguimos para degustar os mundialmente famosos queijos do Serro. Amanhã estamos de volta aqui!
Fonte: OTEMPO / Blog Expedição Vale do Jequitinhonha
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