memória e música
por Andréia Briene
Evanize Sydow é jornalista, mestre em história, bens culturais e projetos sociais e coordenadora do projeto Quilombos do Vale do Jequitinhonha. Trabalha com comunidades quilombolas há 16 anos, em estados como Maranhão, Pernambuco, Espírito Santo e Minas Gerais. É autora da biografia Dom Paulo Evaristo Arns, um Homem Amado e Perseguido (Editora Vozes) e atualmente finaliza a biografia de Frei Betto, a ser lançada pela editora Civilização Brasileira. Atua como consultora de organismos internacionais em projetos com temáticas ligadas aos direitos humanos.
Nesta entrevista, Evanize comenta o projeto Quilombos do Vale do Jequitinhonha, iniciado em 2014 com o objetivo de pesquisar e registrar as manifestações musicais e as danças nessas comunidades. Ela compartilha ainda os principais desafios para as políticas públicas, os diálogos com os diversos espaços existentes e institucionalizados e as produções culturais na realidade das comunidades quilombolas que estão na microrregião de Capelinha (MG), no nordeste de Minas.
Evanize Sydow (Foto: Cleber Cardoso Nunes)
Você poderia comentar como surgiu a ideia de fazer esta pesquisa? Como foi pensado o recorte de música e memória?
A ideia surgiu em 2008, durante uma oficina de trabalho com comunidades quilombolas do Espírito Santo. Foram alguns dos próprios quilombolas que mencionaram a importância de nos preocuparmos em pesquisar a cultura tradicional e tudo o que estava se perdendo nessa história. Algumas pessoas ali lembraram que muitas dessas manifestações estavam sendo esquecidas pelos mais jovens e que era importante fazer alguma coisa por isso. Naquela oportunidade, as comunidades mostraram várias danças e cantos e nos deixaram com a certeza de que essa memória tinha de ser preservada.
O foco na música se deve ao fator agregador e identitário que ela traz às comunidades quilombolas, daí a necessidade da preservação de suas tradições musicais e de dança. A pesquisa, no entanto, também traz informações sobre as comunidades desse universo que deixaram a tradição para trás e não conseguem mais preservar sua ancestralidade, tampouco transmiti-la para seus descendentes.
A partir daí, tentamos fazer um primeiro mapeamento no Maranhão, que foi apoiado pela Fundação Cultural Palmares, mas cujo apoio não foi continuado. Pudemos fazer apenas uma viagem de campo muito curta para verificar quais seriam os municípios a serem trabalhados. Continuamos tentando realizar esse trabalho, mas depois de mais de cinco anos buscando apoio, e sem perspectiva, pensamos em tentar fazê-lo em Minas Gerais.
Minas é um estado com muitas comunidades quilombolas e o Vale do Jequitinhonha, especialmente, preserva uma cultura riquíssima. Os quatro municípios onde atuamos são: Berilo, Chapada do Norte, Minas Novas e Virgem da Lapa. São 59 comunidades incluídas. Chapada do Norte tem cerca de 90% de sua população formada por quilombolas; Berilo é o município com maior número de comunidades tradicionais de Minas Gerais. Os municípios têm baixíssimo IDH. É interessante como as manifestações são diversas nas diferentes regiões do país. Por exemplo, no Maranhão encontramos uma diversidade grande de como tocar o tambor de crioula. Já em Minas Gerais, predominam manifestações como o violão, o nove, a dança de roda e o congado.
Ficamos extremamente satisfeitos quando recebemos do Itaú Cultural a notícia de que o instituto apoiaria parte do trabalho. Em seguida, a Petrobras também resolveu nos ajudar em outra parte. E só assim conseguimos realizar todo o trabalho de campo, que foi de uma riqueza absoluta para nós, a equipe, e também para as comunidades, porque acabou sendo uma oportunidade para eles se juntarem e retomarem essas manifestações culturais. Conseguimos reunir comunidades inteiras que não se encontravam há anos em torno de suas danças. Isso foi emocionante de ver.
(Foto: Cleber Cardoso Nunes)
Levando em conta a quantidade de lugares visitados e pessoas entrevistadas, quais foram os maiores desafios desse processo?
Em termos de logística, a dificuldade principal é conseguir articular as famílias. As casas nas comunidades do Jequitinhonha têm uma característica que é a grande distância entre uma e outra. Então, para abarcar o máximo de famílias é preciso percorrer muitos quilômetros. E, na região, a questão da chuva também é um problema, dependendo do período.
Na primeira viagem que fizemos, por exemplo, havia crateras abertas nas estradas em função das chuvas e os carros atolavam. Não tinha como circular. Além disso, o contato com muitas casas é complexo, porque muitas famílias vivem isoladas, com uma dificuldade grande de comunicação. Não tem telefone, você só consegue falar com elas indo lá pessoalmente.
Para apresentarmos o projeto e combinarmos as entrevistas e os registros das manifestações foi preciso uma articulação muito bem feita com colaboradores locais, que foram fundamentais nesse processo. Não fossem eles, não conseguiríamos chegar a todas as pessoas que alcançamos. Contamos com o apoio e o envolvimento de militantes do movimento quilombola, representantes das escolas – professores e diretores –, secretarias de cultura e da assistência social dos municípios, seja nos acompanhando nas comunidades, fazendo ponderações sobre a realidade vivida por essas famílias, seja nos apresentando como estão desenvolvendo a educação quilombola nos locais em que estamos trabalhando.
A parceria com esses atores enriqueceu profundamente essa iniciativa. São várias as pessoas que nos ajudaram, e que figuram nos nossos agradecimentos, mas tivemos seis pontos focais fundamentais: Alessandro Araújo, em Berilo, um rapaz de ouro, de 25 anos, que conhece a história das comunidades quilombolas daquela região como poucos e que faz um esforço gigante para preservar essa memória; Fabiane Vissotto, na Chapada do Norte, que fomenta a cultura tradicional da Chapada de maneira muito empenhada; também lá Sandrão, que é uma liderança fundamental de comunidades que guardam suas manifestações culturais de maneira impressionante; Adão Domingos, de Minas Novas, que é um dos secretários de cultura mais engajados que conheço e está na base como um verdadeiro militante da causa quilombola; e Kerlane Murta e Mauro Gonçalves, dois guerreiros em Virgem da Lapa que sofrem com a falta de apoio do poder público na região.
(Foto: Cleber Cardoso Nunes)
Leia a entrevista na íntegra clicando no link abaixo:
Nenhum comentário:
Postar um comentário