sexta-feira, 30 de agosto de 2019

"Sem o SUS, é a barbárie", alerta Dráuzio Varella

Maior programa de saúde pública do mundo é também "o maior e mais democrático programa de distribuição de renda do país", afirma Draúzio Varella, médico cancerologista, profissional que atua como um verdadeiro comunicador e educador  da promoção da saúde pessoal e pública.

Sem o SUS, é a barbárie
Dráuzio Varella*

O Brasil foi ousado ao levar assistência médica gratuita a toda a população.

“Sem o SUS, é a barbárie.” A frase não é minha, mas traduz o que penso. Foi dita por Gonzalo Vecina, da Faculdade de Saúde Pública da USP, um dos sanitaristas mais respeitados entre nós, numa mesa redonda sobre os rumos do SUS, na Fundação Fernando Henrique Cardoso.

Estou totalmente de acordo com ela, pela simples razão de que pratiquei medicina por 20 anos antes da existência do SUS.

Talvez você não saiba que, naquela época, só os brasileiros com carteira assinada tinham direito à assistência médica, pelo antigo INPS. Os demais pagavam pelo atendimento ou faziam fila na porta de meia dúzia de hospitais públicos espalhados pelo país ou dependiam da caridade alheia, concentrada nas santas casas de misericórdia e em algumas instituições religiosas.

Eram enquadrados na indigência social os trabalhadores informais, os do campo, os desempregados e as mulheres sem maridos com direito ao INPS. As crianças não tinham acesso a pediatras e recebiam uma ou outra vacina em campanhas bissextas organizadas nos centros urbanos, de preferência em períodos eleitorais.


Então, 30 anos atrás, um grupo de visionários ligados à esquerda do espectro político defendeu a ideia de que seria possível criar um sistema que oferecesse saúde gratuita a todos os brasileiros. Parecia divagação de sonhadores.

Ao saber que se movimentavam nos corredores do Parlamento, para convencer deputados e senadores da viabilidade do projeto, achei que levaríamos décadas até dispor de recursos financeiros para a implantação de políticas públicas com tal alcance.

Menosprezei a determinação, o compromisso com a justiça social e a capacidade de convencimento desses precursores. Em 1988, escrevemos na Constituição: “Saúde é direito do cidadão e dever do Estado”.

Por incrível que pareça, poucos brasileiros sabem que o Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que ousou levar assistência médica gratuita a toda a população.

Falamos com admiração dos sistemas de saúde da Suécia, da Noruega, da Alemanha, do Reino Unido, sem lembrar que são países pequenos, organizados, ricos, com tradição de serviços de saúde pública instalados desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Sem menosprezá-los, garantir assistência médica a todos em lugares com essas características é brincadeira de criança perto do desafio de fazê-lo num país continental, com 210 milhões de habitantes,
baixo nível educacional, pobreza, miséria e desigualdades regionais e sociais das dimensões das nossas.

Para a maioria dos brasileiros, infelizmente, a imagem do SUS é a do pronto-socorro com macas no corredor, gente sentada no chão e fila de doentes na porta. Tamanha carga de impostos para isso, reclamam todos.


Esquecem-se de que o SUS oferece gratuitamente o maior programa de vacinações e de transplantes de órgãos do mundo. Nosso programa de distribuição de medicamentos contra a Aids revolucionou o tratamento da doença nos cinco continentes. Não percebem que o resgate chamado para socorrer o acidentado é do SUS, nem que a qualidade das transfusões de sangue nos hospitais de luxo é assegurada por ele.

Nossa Estratégia Saúde da Família, com agentes comunitários em equipes multiprofissionais que já atendem de casa em casa dois terços dos habitantes, é citada pelos técnicos da Organização
Mundial da Saúde como um dos mais importantes do mundo.

Pouquíssimos têm consciência de que o SUS é, disparado, o maior e o mais democrático programa de distribuição de renda do país. Perto dele, o Bolsa Família não passa de pequena ajuda. Enquanto investimos no SUS cerca de R$ 270 bilhões anuais, o orçamento do Bolsa Família mal chega a 10% disso.

Os desafios são imensos. Ainda nem nos livramos das epidemias de doenças infecciosas e parasitárias e já enfrentamos os agravos que ameaçam a sobrevivência dos serviços de saúde pública dos países mais ricos: envelhecimento populacional, obesidade, hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, degenerações neurológicas.

Ao SUS faltam recursos e gestão competente para investi-los de forma que não sejam desperdiçados, desviados pela corrupção ou para atender a interesses paroquiais e, sobretudo, continuidade administrativa. Nos últimos dez anos tivemos 13 ministros da Saúde.

Apesar das dificuldades, estamos numa situação incomparável à de 30 anos atrás. Devemos defender o SUS e nos orgulhar da existência dele.

Drauzio Varella
Antônio Drauzio Varella, 76 anos, é médico oncologista, cientista, professor e escritor. Formado pela USP, é conhecido por popularizar a informação médica no Brasil, através do rádio, TV e internet. 

Fonte: Folha de São Paulo, 18.ago.2019 às 2h00

Privatização da CEMIG: empresário chama governador de irresponsável e governo Bolsonaro de chantagista

Ato em defesa da CEMIG e outras estatais, em janeiro de 2019. Foto de  MARIA BEATRIZ DE CASTRO - SINDIELETRO-MG.
Em entrevista  publicada no site GGN/crise, em 29.08.19, o empresário Marco Antônio Castello Branco diz que "é uma irresponsabilidade afirmar que a CEMIG está sucateada", como afirmou o governador Zema, e considera a proposta do Governo Bolsonaro em privatizar as estatais mineiras em uma "vergonhosa chantagem" para implantar o ajuste fiscal.
Confira a entrevista:

Privatização das estatais mineiras: “vergonhosa chantagem” do Governo Federal
Entrevista concedida a Wieland Silberschneider*

O Governo Romeu Zema deverá enviar em breve à Assembleia Legislativa projeto de lei para privatização das estatais mineiras, como parte das exigências do Programa de Recuperação Fiscal, ao qual pretende aderir. 
O empresário e engenheiro metalurgista, doutor pela Universidade Técnica de Clausthal-Alemanha, Marco Antônio Castello Branco, analisa que o Governo Federal faz a “mais vergonhosa chantagem” para liberar compensações, ao exigir a privatização da estatais mineiras e que, mesmo com a alienação desse patrimônio, o Estado “continuará com os mesmos problemas orçamentários”, ficando ainda “sem capacidade de influenciar suas decisões”.

Castello Branco aponta ainda que o “Governo Pimentel entregou uma CEMIG muito melhor do que recebeu”. Em relação à declaração do Governador Romeu Zema de que “o Estado sangrou a CEMIG indevidamente” diz que “é uma irresponsabilidade afirmar que a CEMIG esteja sucateada”, ressaltando que tais declarações “desvalorizam o preço das ações da CEMIG, contrariando o interesse, e imputando prejuízo a milhares de acionistas minoritários”.


Marco Antônio Castello Branco (Foto ALMG)

O Governo Romeu Zema deverá em breve enviar à Assembleia Legislativa projeto de lei para privatização das estatais mineiras, CEMIG e COPASA. (...) Como o senhor avalia a consequência da privatização de todas essas estatais para a economia mineira?

A experiencia histórica nos mostra que as privatizações de empresas estatais ocorridas a partir de 1990 levaram a um grande esvaziamento de Minas Gerais, enquanto sede do poder decisório empresarial. Basta verificar o que ocorreu, por exemplo, após a venda do Credireal, BEMGE, Telemig e das siderúrgicas Açominas, Acesita e Usiminas. Com exceção desta última, que ainda conserva, pelo menos, sua sede institucional em Belo Horizonte, as decisões estratégicas dos negócios corporativos das demais empresas são hoje tomadas em outras praças, longe do contexto econômico, social e cultural que caracteriza o território mineiro.

"Do ponto de vista financeiro, a alienação do controle estatal não tem nenhuma importância substantiva; o déficit orçamentário tem natureza estrutural e é muito maior do que qualquer volume de dinheiro que o governo estadual venha a obter".

Com a alienação do controle estatal de CEMIG, COPASA, GASMIG e CODEMIG, o governo ficará sem o patrimônio das empresas, sem capacidade de influenciar suas decisões, e continuará com os mesmos problemas orçamentários que o Estado vive desde que o Brasil parou de crescer.

Dependendo de como será conduzido o processo de privatização e de quem venha a adquirir o controle da CEMIG, COPASA e CODEMIG, Minas Gerais corre o sério risco de ver altamente acelerado o processo de perda de relevância no cenário empresarial brasileiro, o que, aliás, já vem ocorrendo há algum tempo.
(...)
Do ponto de vista financeiro, a alienação do controle estatal não tem nenhuma importância substantiva; o déficit orçamentário tem natureza estrutural e é muito maior do que qualquer volume de dinheiro que o governo estadual venha a obter. O governo ficará sem o patrimônio das empresas, sem capacidade de influenciar suas decisões, e continuará com os mesmos problemas orçamentários que o Estado vive desde que o Brasil parou de crescer.

Eventual melhoria da situação financeira de Minas poderá ser alcançada não como resultado direto da venda do controle das estatais, mas muito mais das compensações que o Governo Federal está prometendo e que são vinculadas à privatização, num processo que desnuda a mais vergonhosa chantagem. Não há justificativa racional para se exigir a privatização de CEMIG, COPASA ou CODEMIG como contrapartida para a renegociação das dívidas com a União ou para liberação de avais do tesouro federal para novo endividamento do governo mineiro. Essas empresas são completamente independentes da arrecadação fiscal; elas não competem por recursos orçamentários com os setores de educação, saúde e segurança.
(...)
Em 2015, a Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG se encontrava em situação financeira crítica e ainda perdeu as usinas em 2017. Como se encontra hoje a empresa financeiramente?

Com toda certeza, o Governo Pimentel entregou uma CEMIG muito melhor do que recebeu. Alguns passivos foram eliminados, como o pagamento da obrigação de compra de ações da Light detidas pelos Bancos (put da Light). As participações nas empresas Ativas e CEMIGTelecom foram vendidas, sua enorme dívida junto ao mercado de crédito foi refinanciada e o prazo de amortização alongado, projetos interrompidos como as PCHs da Guanhães Energiaforam retomados e finalizados e os investimentos na distribuidora de energia foram retomados permitindo melhora dos indicadores técnicos operacionais. As ações de redução do custo permitiram que a CEMIG-D alcançasse, pela primeira vez na sua história, os valores definidos pela ANEEL e que são por ela utilizados para estabelecer o preço das tarifas de energia que a CEMIG cobra dos consumidores.

A CEMIG participa de importantes empresas como TAESA, LIGHT, Santo Antônioe Renova, que enfrentam situações econômicas e financeiras particulares. Considerando a realidade dessas empresas e a condição de endividamento atual da CEMIG, qual seria o preço estimado da empresa em uma possível privatização?

O valor de mercado da CEMIG Holding está hoje em torno de R$ 24 bilhões e nele já estão refletidos todos os impactos das empresas das quais ela é acionista. Como o Estado de Minas detém apenas cerca de 17% do capital, apesar de ter a maioria das ações com direito a voto, o valor da participação estatal na CEMIG gira atualmente ao redor de R$ 4 bilhões, próximo, portanto, do que o governo gasta em um mês com a folha de pagamento de pessoal.

"Essas empresas (as estatais) são completamente independentes da arrecadação fiscal; elas não competem por recursos orçamentários com os setores de educação, saúde e segurança. O valor da participação estatal na CEMIG gira ao redor de R$ 4 bilhões, próximo do que o governo gasta em um mês com a folha de pagamento de pessoal". 

O reperfilamento das dívidas da CEMIG terá de ser renegociado em 2025 e, neste mesmo período, há também o fim da concessão de algumas usinas. Como isso pode afetar o preço da empresa na eventual privatização?

Na minha opinião, o mercado já precificou esses impactos no preço da CEMIG. O que terá grande influência no momento da venda das ações serão as expectativas em relação à economia do país. A degradação das previsões do crescimento do PIB anunciadas pelo Banco Central, a queda da reputação do Brasil na visão de investidores internacionais e a recessão mundial que se anuncia são sinais de advertência de que, talvez, não estejamos vivendo um bom momento para venda de ativo.

O Governador Romeu Zema tem dado declarações de que “dificilmente a CEMIG tem energia disponível, para quem quer investir em Minas” e de que, “nos últimos anos, o Estado sangrou a CEMIG indevidamente”. Além disso, disse que “a empresa foi sucateada” e, para ficar em dia, ela teria de investir R$ 21 bilhões”. Como o senhor analisa essas declarações perante as condições em que se encontra a CEMIG atualmente?

Eu prefiro acreditar que essas críticas estejam surgindo no âmbito de desinformação promovido pelas redes sociais. Pois elas são de uma estupidez tão grande que não nos permite de forma alguma atribuí-las ao Governador de Minas Gerais. Exatamente ele, que quer vender a empresa, não cometeria jamais o equívoco de dar declarações que desvalorizam o preço das ações da CEMIG, contrariando o interesse, e imputando prejuízo a milhares de acionistas minoritários, algo que poderia ser objeto de grave questionamento e processos na Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Em primeiro lugar, os empreendimentos empresariais normalmente compram energia no mercado livre, onde competem várias geradoras e comercializadoras, entre elas a CEMIG. Basta consultar o portal da empresa na internet e estudar a apresentação que a CEMIG faz ao mercado para se confirmar que a CEMIG sempre teve lastro suficiente para honrar os contratos de venda de energia, tanto os atuais como os futuros. A energia que ela comercializa provém tanto das suas usinas, como da compra que ela faz junto a outros geradores.

Por outro lado, quando um empreendedor solicita a ligação de seu estabelecimento à rede de distribuição de energia pode ocorrer o problema da CEMIG não poder atendê-lo – e isso tem ocorrido – e de precisar investimentos e prazo para fazê-lo.

Mas porque ela não fez os investimentos e deixou a capacidade disponível? Os motivos podem ser inúmeros: a empresa subestimou a previsão de crescimento da demanda, a administração não autorizou, porque capacidade ociosa custa caro e ninguém está autorizado a jogar dinheiro fora, principalmente em se tratando de Empresa estatal de interesse público.

O não atendimento imediato da ligação solicitada pelo empreendedor não tem nada a ver com falta de energia, mas com falta de capacidade da rede física, dos transformadores e subestações, o que demanda investimentos para aumento da capacidade. Ocorre que o mercado de distribuição é totalmente regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. A regulação estabelece as regras e as obrigações que toda distribuidora de energia elétrica é forçada a obedecer, inclusive prazos de atendimento, e que fazem parte do contrato de concessão da prestação de serviço.

"É uma irresponsabilidade afirmar que a CEMIG esteja sucateada".

A CEMIG não tem o poder discricionário de fazer o que ela quer, ou o que entende ser bom e necessário para atender esse ou aquele consumidor. Ela é legalmente impedida, pois além da obrigação de igualdade de tratamento a todos os consumidores, ela não tem nenhuma liberdade para negociar a tarifa de distribuição. A tarifa é definida pelo regulador e cobre somente os custos e investimentos que são por ele reconhecidos e aceitos.
Qualquer custo que a CEMIG venha a assumir para atender um consumidor e que não esteja coberto pela tarifa regulada se transforma imediatamente em ônus extra para a empresa, e por consequência para seus acionistas, inclusive para toda a coletividade representada pelo acionista estatal. Infelizmente essa é a regra que foi criada na década de 90, quando o setor elétrico foi desregulamentado e desverticalizado.

É uma irresponsabilidade afirmar que a CEMIG esteja sucateada. Sem dúvida, o Governo Pimentel recebeu a empresa em 2015 com um grande déficit de investimentos na rede de distribuição. Investimentos não foram feitos por decisão da administração que tinha obrigação de fazê-los, uma vez que o Governo Federal assegurou incentivos fiscais ou correções tarifárias para a empresa realizá-los, como por exemplo o Luz para Todos.

Durante anos, e foram muitos, a CEMIG canalizou um enorme volume de dinheiro de sua geração de caixa e de empréstimos que tomou junto a bancos para distribuir de dividendos (e o Estado recebe apenas 17% do total) e para comprar participações na Light, Renova, Santo Antônio e Belo Monte. A rentabilidade do aporte nessas investidas ficou significativamente abaixo não só do que havia sido prometido no momento das respectivas aprovações, mas muito inferior ao custo de capital da empresa. Foram essas decisões, equivocadas no meu modo de entender, o que está na raiz de todos os problemas financeiros e operacionais que até hoje constrangem a CEMIG, na medida em que destruíram muito do seu valor econômico.

Mas não se pode falar nunca em sucateamento, porque após a reestruturação do endividamento em 2017, a CEMIG iniciou um grande esforço de investimento na sua rede de distribuição e os resultados começaram a aparecer imediatamente, principalmente para aquela população mais sofrida do interior de Minas Gerais que depende de energia elétrica para alcançar um mínimo de dignidade na sua condição de vida.

É uma grande falácia afirmar que a CEMIG não tem condições de investir R$ 21 bilhões nos próximos dez anos. Uma gestão séria, estatal ou privada, minimamente capaz consegue cumprir essa obrigação sem qualquer problema, pois os sacrifícios empreendidos de 2015 a 2018 asseguraram a preservação e recuperação da substância da empresa.

*Wieland Silberschneider é Doutor em Economia e Mestre em Sociologia pela Universidade de Minas Gerais.

Confira a entrevista completa aqui:

sábado, 24 de agosto de 2019

Amazônia do Conhecimento ou da Ignorância?

Devastação e fogo são retrocesso à colônia. Há alternativa: articular desmatamento zero com projeto que substitui soja, mineração e gado por economia do século XXI, baseada em biodiversidade e saberes — inclusive os originários

Estudo especial de Ricardo Abramovay*
1. A redução do desmatamento no Brasil entre 2004 e 2012 é considerada pelo IPCC como a maior contribuição oferecida por um país no combate às mudanças climáticas. O desmatamento chegou a 27,7 mil quilômetros quadrados em 2004 e caiu para 4,4 mil quilômetros quadrados apenas oito anos depois. Tanto a redução do desmatamento (revertida a partir de 2012, como mostra o parágrafo 12, abaixo) como a existência de várias modalidades de áreas protegidas (reservas extrativistas, parques, territórios indígenas, florestas nacionais, entre outros) em quase 50% da Amazônia brasileira são conquistas democráticas reconhecidas internacionalmente como contribuição global do País para o desenvolvimento sustentável. Entre 2003 e 2009 o Brasil respondeu por 75% da ampliação das áreas protegidas no mundo.
2. Esta redução tão grande poderia conduzir à conclusão de que o problema do desmatamento na Amazônia está resolvido e que as derrubadas atuais são apenas remanescentes, dispersas, pouco expressivas e necessárias ao próprio crescimento econômico regional. Afinal, vivem na Amazônia 25 milhões de pessoas e sua taxa de crescimento demográfico é bem superior à do País como um todo, como se vê pelo Gráfico I.
3. Este estudo apresenta evidências empíricas que contradizem esta conclusão. Ele procura mostrar que o padrão de crescimento da Amazônia nas últimas décadas desestimulou o fortalecimento da economia regional, não elevou o padrão de vida da população e trouxe danos ambientais que comprometem a própria produção agropecuária. Ao revelar que, em 98,5% dos municípios da Amazônia, as condições de vida são piores que as de outras regiões do Brasil, o Índice de Progresso Social explica: o desempenho da região “está associado a um modelo de desenvolvimento fortemente marcado pelo desmatamento, uso extensivo dos recursos naturais e conflitos sociais”. A conclusão do IPS desmente a ideia de que aumentar as superfícies que permitem a conversão da floresta para atividades agropecuárias, madeireiras ou de mineração seja um caminho socialmente desejável para melhorar as condições de vida dos que vivem na Amazônia. Ao contrário, as práticas predatórias inibem a emergência de uma economia do conhecimento da natureza e estimulam a permanência do que hoje pode ser chamado de economia da destruição da natureza.
4. Além disso, a ampliação das áreas protegidas não foi acompanhada de políticas públicas que garantissem sua integridade e, portanto, os serviços ecossistêmicos que justificam sua proteção. Grilagem, atividades econômicas ilegais (sobretudo exploração madeireira e minérios) e agressões aos povos tradicionais que habitam nestes territórios continuam ocorrendo, como será visto mais abaixo. Projetos de lei voltados a reduzir ou a mudar a natureza das áreas protegidas (muitas vezes com o beneplácito do poder executivo) sinalizam aos atores locais que as atividades ilegais podem ser compensadoras. Ao final de 2017, havia no Congresso Nacional 33 proposições anti-indígena, das quais 17 procuram alterar os processos de demarcação de Terras Indígenas, como mostra trabalho do Conselho Indigenista Missionário [1]. Desde o início dos anos 1990 mais de 45 mil quilômetros quadrados de Unidades de Conservação (o que corresponde à área do Espírito Santo) já foram perdidos. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) poderia ser o melhor sistema de gestão de áreas protegidas do mundo. No entanto, em virtude das agressões que sofre, está longe de realizar este potencial. Como será visto neste estudo, o abandono das áreas protegidas é socialmente nefasto, compromete a posição do Brasil como reconhecida potência ambiental, fomenta a violação do estado de direito, sacrifica imenso patrimônio cultural e traz prejuízos econômicos nem de longe compensados pela renda advinda da extração predatória dos recursos destes territórios.
5. Apesar de sua importância, as áreas protegidas não podem responder sozinhas pela manutenção dos serviços ecossistêmicos oferecidos pela floresta. Nas propriedades privadas, é fundamental que seja respeitada a legislação referente às áreas de preservação permanente e à reserva legal, o que não acontece hoje. Qualquer sobrevoo do entorno da Terra Indígena do Xingu mostra as plantações de soja chegando à beira dos rios, sem qualquer tipo de vegetação arbustiva que os proteja. O Brasil, detentor da maior biodiversidade do Planeta, não tem como garantir este ativo apenas por meio de áreas protegidas, caso a preservação e a recuperação florestal em superfícies privadas não sejam igualmente asseguradas.
6. Este trabalho compõe-se de cinco tópicos. Inicialmente, ele mostra que o crescimento econômico e o bem-estar das populações que vivem na Amazônia não dependem do desmatamento. Ao contrário, ali onde mais se desmata é onde menos a economia cresce e onde é maior a distância entre os indicadores de desenvolvimento do País e os da Amazônia. O segundo tópico mostra que os custos econômicos da interrupção dos desmatamento seriam irrisórios. A seguir (tópico três), o estudo volta-se à importância das Unidades de Conservação e das populações que nela vivem, sob o ângulo não apenas dos serviços ecossistêmicos que prestam, mas também dos potenciais subaproveitados de geração de riqueza e bem-estar contidos nas práticas econômicas dos povos tradicionais. Entretanto, como mostra o tópico quatro, estas áreas encontram-se sob ameaça e esta ameaça compromete não apenas o desenvolvimento econômico da região, mas o próprio estado de direito. Por fim, tópico cinco, o trabalho expõe as informações que desfazem o mito segundo o qual o Brasil é o único país do mundo a proteger suas florestas. Ao contrário, a proteção florestal, longe de ser uma idiossincrasia nacional é uma tendência global que acompanha o próprio processo de desenvolvimento e que o País tem condições de liderar internacionalmente.

I. O desmatamento não é premissa para o crescimento da Amazônia

7. O crescimento da agricultura brasileira deixou de ser intensivo em terra. Ele é, cada vez mais, intensivo em tecnologia. Entre 1991 a 2017, a produção de grãos e oleaginosas no Brasil subiu 312%, mas a área plantada cresceu apenas 61%, como mostram as informações do Observatório do Clima. A área plantada de soja na Amazônia Legal passa de 1,14 milhão de hectares na safra 2006/07 a 4,5 milhões de hectares em 2016/17. Isso corresponde a 13% da superfície que o Brasil dedica ao produto. Os padrões produtivos da soja na região são também intensivos em tecnologia. A conversão para a agricultura de áreas de baixa produtividade de pastagens é um dos pilares do crescimento agrícola na Amazônia: desde 2006, a área plantada com soja cresceu quase quatro vezes na região, exatamente sobre superfícies anteriormente voltadas a pastagens de baixo rendimento. O recém lançado relatório da Embrapa sobre o futuro da agricultura brasileira ressalta o “desacoplamento entre produção agrícola total e mudança dos usos da terra”. A destruição florestal não é, portanto, premissa para o aumento da produção de soja.
8. A cadeia de valor ligada à produção de soja na Amazônia está engajada no compromisso de que os grandes traders globais não comprem o produto vindo de áreas recentemente desmatadas. A “moratória da soja” reúne atores diversos do setor privado e associativo: ADM, Amaggi, Bunge e Cargill pelo setor privado. Articulação soja Brasil, Conservação Internacional, Greenpeace, IPAM, TNC e WWF Brasil, pelo setor associativo, além do Imazon, do Imaflora e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém. A moratória é o resultado do reconhecimento de que o desmatamento envolve custos reputacionais que ameaçam as próprias exportações brasileiras e não é uma necessidade para a expansão do papel do Brasil nos mercados internacionais.
9. O protagonismo do setor privado no esforço de reduzir o desmatamento não é uma particularidade brasileira. Artigo publicado na Nature Climate Change mostra que os compromissos de diferentes cadeias globais de valor para reduzir o desmatamento no mundo chegam a 760 em março de 2017, com a participação de 447 atores entre traders, indústrias, varejistas e processadores. Da mesma forma em 2014, a Declaração de New York sobre Florestas (NYDF, na sigla em inglês) preconizando redução pela metade das atuais perdas florestais até 2020 e o desmatamento zero até 2030 (e que o Brasil não assinou) teve como protagonistas 60 entidades governamentais, 59 grupos privados e 73 organizações da sociedade civil.
10. Embora isso mostre a importância da luta contra o desmatamento sob o ângulo reputacional para as próprias empresas, para os produtores agropecuários e para os países que os abrigam, o artigo da Nature Climate Change também insiste na insuficiência destas iniciativas e na urgência de um conjunto variado de medidas governamentais criando uma infraestrutura de informação e de capacidade de cumprimento das leis.
11. O desmatamento na Amazônia legal está diretamente associado à desigualdade fundiária. Rafael Feltran-Barbieri e colaboradores mostram que, entre 2000 e 2016, metade dos desmatamentos na Amazônia legal ocorreu em 59 dos 772 municípios que compõem a região. Esses 59 municípios apresentam índice de Gini médio de 0,46 contra 0,47 dos demais, não havendo diferença estatística no que concerne à desigualdade de renda. Porém, a desigualdade fundiária medida pelo índice de Gini fundiário, calculado sobre 17 classes de tamanho de estabelecimentos rurais, é de 0,75 para os 59 maiores desmatadores e de 0,70 para os demais (estatisticamente diferentes pelo teste das variâncias p<0 .04="" 50="" a="" ainda="" amaz="" da="" de="" desigualdade="" desmatadores.="" entre="" exacerbada="" fundi="" j="" legal="" maior="" munic="" nia="" os="" p="" pios="" pr="" pria="" que="" renda="" ria="">
12. O gráfico II mostra que o significativo declínio do desmatamento na Amazônia foi revertido a partir de 2012. Em 2015 e 2016, o desmatamento aumentou 50% com relação a 2014. É verdade que, em 2017, o desmatamento caiu 16% com relação a 2016. Mas, ainda assim, o Brasil desmatou na Amazônia, só em 2017, nada menos que 6.624 quilômetros quadrados, segundo dados do Observatório do Clima. É importante lembrar que a lei brasileira de clima determina que o desmatamento na Amazônia deve cair a 3.920 quilômetros até 2020.
Série histórica do desmatamento na Amazônia
13. A recente elevação do desmatamento não preocupa apenas agências governamentais e ativistas da sociedade civil, mas também um expressivo conjunto de organizações empresariais. A Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura (da qual fazem parte importantes organizações e empresas do agronegócio) cita estudos mostrando o aumento da destruição florestal “dentro de Unidades de Conservação e em áreas públicas ainda não destinadas a um uso específico e também em propriedades rurais inseridas no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Mais da metadede toda área desmatada detectada pelo INPE está no CAR”.
14. A natureza predatória do desmatamento da Amazônia mostra-se também no fato de que, com seus 750 mil km2 de área desmatada, a região contribui com 14,5% do valor do produto agropecuário brasileiro. São Paulo tem área agrícola de 193 mil km2 e entra com 11,3% da produção nacional, como mostra o trabalho de Carlos Nobre e colaboradores. Este dado mostra a urgência e a possibilidade de promover o desacoplamento entre crescimento econômico e desmatamento na Amazônia.
15.A área desmatada na Amazônia corresponde ao dobro da superfície do território da Alemanha. 65% desta área, como mostra trabalho do IPAM, destinam-se a pastagens de baixíssima produtividade, com menos de uma cabeça de gado por hectare. Entre 2007 e 2016 o desmatamento médio de 7.410 km2 por ano teve como resultado o acréscimo de 0,013% ao PIB brasileiro, segundo documento do Grupo de Trabalho pelo Desmatamento Zero, apresentado à 23ª COP, em Bonn.
16. Em 2016, o Brasil foi o sétimo emissor mundial de gases de efeito estufa (2.278 bilhões de toneladas). Deste total, nada menos que 51% foram causados por desmatamento, como mostram as informações do Grupo de Trabalho pelo Desmatamento Zero. Outros 22% de nossas emissões originam-se na agropecuária, pelo consumo de fertilizantes e metano do rebanho, segundo dados do Observatório do Clima. Se, no caso das emissões da agropecuária há desafios tecnológicos notáveis para reduzir as emissões, isso não pode ser afirmado com relação ao desmatamento que resulta da tolerância institucionalizada com práticas ilegais, cuja utilidade social e econômica é praticamente nula e que compromete o futuro do Brasil não só enquanto potência ambiental, mas como território onde povos tradicionais, permanentemente agredidos pela ameaça a suas terras, guardam e valorizam um patrimônio cultural extraordinário.
17. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO/ONU) compara as emissões líquidas de gases de efeito estufa vindas da agropecuária e da mudança na cobertura florestal em vários países (tabela 1). O resultado é que, no Brasil, em 2015, enquanto as mudanças no uso e cobertura da terra (emissões da agricultura – captura na agricultura + desmatamento – captura do reflorestamento) apresentavam emissões líquidas da ordem de 309 milhões de toneladas de CO², outros países já estavam capturando mais que emitindo gases de efeito estufa. A China teve um sequestro líquido de 314 milhões de toneladas e a União Europeia, 428 milhões. Assim, embora a agricultura em todos os países continue emitindo mais do que sequestra, na União Europeia, na China, nos Estados Unidos, na Austrália e mesmo no Uruguai o sequestro líquido oriundo das florestas compensa em muito as emissões líquidas provenientes da agropecuária, enquanto no Brasil ocorre exatamente o contrário, com as emissões florestais se somando às agropecuárias, fazendo com que o total emitido seja o segundo mais elevado do mundo, perdendo apenas para a Indonésia onde a agricultura se desenvolve às custas da queima de florestas sobre solos turfosos.
18. 20% do território da Amazônia já foram desmatados. Em 1960, como mostra Adalberto Veríssimo, do Imazon, este total era de apenas um por cento. O ponto de virada a partir do qual a floresta pode passar por severo processo de desertificação (comprometendo a capacidade produtiva da região e os serviços ecossistêmicos prestados pela floresta, a começar pela oferta de água) é habitualmente estimado em 40%. No entanto, o trabalho recente de Thomas Lovejoy e Carlos Nobre, publicado na prestigiosa Science Advances mostra que se aos impactos do corte raso da floresta forem acrescentados os efeitos tanto das mudanças climáticas como das atividades madeireiras que fragilizam a resiliência dos ecossistemas florestais, o ponto de virada em direção à “savanização” e à possível desertificação das áreas atingidas pode estar na faixa próxima ao que já foi desmatado até hoje. O trabalho de Nepstad e colaborares, publicado na Nature faz análise minuciosa destas outras fontes de fragilização dos ambientes florestais e que corroboram o ponto de vista de Lovejoy e Nobre: o ponto de virada a partir do qual o risco de desertificação da Amazônia aumenta drasticamente parece mais próximo do que se estimava habitualmente.
19. Este processo de savanização e a possível desertificação dele decorrente não é grave apenas para a Amazônia. A evapotranspiração da Amazônia é fundamental para as chuvas que asseguram a viabilidade da agricultura no Centro-Sul do Brasil e em outras regiões do Sul do Continente latino-americano. Os reservatórios que abastecem as grandes regiões metropolitanas do Sul do continente são também tributários do ciclo hidrológico que tem seu epicentro na floresta. O desmatamento prejudica este ciclo e pode trazer consequências catastróficas tanto para a agropecuária como para o abastecimento de água. As secas de 2005, 2010 e 2015-16 devem ser consideradas, como mostram Lovejoy e Nobre, expressões de que a virada ecológica da Amazônia está mais próxima do que se pensava há alguns anos.
20. Um dos mais danosos efeitos das mudanças climáticas é o de ampliar a suscetibilidade a incêndio das florestas tropicais. O aumento em 36% dos incêndios na Amazônia em 2015 (relativamente à média dos 12 anos anteriores) é atribuído, por um estudo de pesquisadores do INPE publicado na Nature Communications, às mudanças climáticas. 2017 foi o ano recorde de queimadas no País, desde que as medições começaram. Ao todo, foram 275.120 incêndios registrados, dos quais 132 mil na Amazônia. Só no Pará as queimadas aumentaram 200% em 2017, relativamente ao ano anterior. Persistir no nível de desmatamento atual é abrir caminho para que a floresta tropical se converta de sorvedouro em emissora de gases de efeito estufa: “o risco é que, com temperaturas mais altas e secas de maior duração, a respiração das plantas possa exceder as taxas fotossintéticas, fazendo das florestas tropicais uma fonte de emissões de gases de efeito estufa…”
21.As florestas tropicais são portadoras de uma biodiversidade e desempenham funções ecossistêmicas referentes ao ciclo da água e ao armazenamento do carbono que torna sua destruição uma ameaça tanto aos povos que delas dependem diretamente como ao conjunto da espécie humana. As florestas tropicais correspondem a ambientes muito mais frágeis e suscetíveis que os característicos das de clima temperado. Contrariamente ao que ocorre nas áreas temperadas, a destruição florestal nos trópicos tem maiores chances de resultar em desertificação. No livro clássico de 1952, em que, pela primeira vez o termo foi empregado, The Tropical Rainforest, P. W. Richards mostra que as florestas temperadas têm maior capacidade regenerativa, quando suprimida sua vegetação, que as tropicais.
22. Esta é uma das razões pelas quais é fundamental proteger uma área de 70 milhões de hectares (mais que toda a superfície do Sul do Brasil) coberta por florestas na Amazônia e que se encontra atualmente à mercê de grileiros e desmatadores ilegais, como mostram Claudia Azevedo-Ramos do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA) e Paulo Moutinho do IPAM em artigo publicado em prestigiosa revista científica. Estes 70 milhões de hectares (o dobro da superfície da Alemanha), mostram os pesquisadores, estocam 25 bilhões de toneladas de gás carbônico, o que corresponde à soma das emissões brasileiras por catorze anos. A proteção destas áreas é urgente: exatamente por não estarem legalmente delimitadas, elas são objeto da ação de grileiros e desmatadores. Nada menos que 25% do desmatamento registrado na Amazônia entre 2010 e 2015 ocorreu nestas áreas públicas desprotegidas. O estudo mostra também que, tendo em vista as áreas já desmatadas e subutilizadas na Amazônia, não faz sentido econômico que estas áreas sejam destinadas a atividades agropecuárias convencionais e propõe que sua proteção se apoie em mecanismos que estimulem o uso sustentável da floresta.
23. O Atlas da Agropecuária Brasileira, realizado pelo Imaflora em parceria com o Geolab da Esalq-USP e com apoio da Fapesp corrobora as informações de Cláudia Azevedo-Ramos e Paulo Moutinho e amplia a análise sobre os estoques de carbono contidos nas florestas para as propriedades privadas. Apesar da importância das áreas protegidas (e cuja integridade encontra-se sob a ameaça da exploração ilegal de madeira, do garimpo clandestino e da grilagem, como será visto na parte quatro deste estudo) é preciso atentar ao fato de que um quarto do estoque de carbono das florestas estão sem qualquer proteção e sujeitos ao desmatamento. 7 mil grandes imóveis na Amazônia acumulam 15% do carbono desprotegido do Brasil, enquanto outros 110 mil pequenos imóveis detêm outros 10%. Os riscos são ainda maiores no Cerrado, onde 30 mil imóveis acumulam 25% do carbono nacional desprotegido, conforme artigo publicado na prestigiosa Global Change Biology.
24. A redução do desmatamento não conduz à redução da produção. O gráfico abaixo mostra que o PIB agropecuário da Amazônia cresceu mesmo com o desmatamento em queda.
25. Só no Estado do Mato Grosso o desmatamento caiu de um total de 6.800 km2 (média do período entre 1990 e 2006) para 1.650 km2 (entre 2007 e 2012), enquanto a produção tanto de soja como de carne aumentava, como mostra a figura 4, logo abaixo.
26. Mas persistir no desmatamento pode comprometer o desempenho da própria agricultura. No ano 2000, as florestas do Mato Grosso contribuíam com 50 quilômetros cúbicos anuais para a evapotranspiração no Estado. Ao fim desta década em 2009, o desmatamento tinha feito cair este montante em torno de um quilômetro cúbico por ano. Em 2009 a evapotranspiração atingia apenas 40 km³. Os prejuízos desta redução na capacidade de captar e bombear água para a atmosfera são, evidentemente, imensos, como mostra o trabalho de Lathuillère e seus colaborado-res — com destaque para as mudanças no regime de chuvas, prolongando estiagens e aumentando a severidade dos temporais.
27. A conversão de imensas superfícies do Cerrado (parte do qual encontra-se na Amazônia) em área agrícola também está comprometendo o ciclo da água. Entre 2003 e 2013, a área de cultivos agrícolas no Cerrado passou de 1,2 milhão a 2,5 milhões de hectares. 74% das novas áreas de cultura vieram de vegetação previamente intacta. Isso reduziu o montante de água reciclada para a atmosfera via evapotranspiração. Só em 2013 as áreas de cultura agrícola reciclaram catorze quilômetros cúbicos a menos do que se estas áreas não tivessem sido desmatadas, como mostra o artigo de Spera e colaboradores na Global Change Biology.
28. O relatório da Embrapa “Visão 2030: O Futuro da Agricultura Brasileira” mostra que as mudanças climáticas devem provocar perdas para a agricultura de US$ 7,4 bilhões em 2020 e US$ 14 bilhões em 2070. A soja seria a principal perdedora, mas produtos como café, milho, arroz feijão, algodão e girassol também devem ser afetados.
29. O caráter predatório do desmatamento se exprime antes de tudo em seus resultados: áreas pouco propícias para a agricultura e a pecuária gerando baixa produtividade. Nada menos que 70% do que foi desmatado na Amazônia está ocioso, segundo Adalberto Veríssimo, pesquisador Sênior do Imazon. O Brasil já possui 240 milhões de hectares (cerca de um terço de seu território, incluindo a Amazônia) de áreas abertas para agricultura, pastagem e florestas plantadas.
30. Mesmo nas áreas que podem ser legalmente desmatadas (ou seja as áreas privadas que não são reserva legal nem áreas de proteção permanente) na Amazônia, apenas 27% apresentam potencial agronômico que justifica seu aproveitamento, conforme mostra estudo do Instituto Escolhas. No Cerrado, apenas 13% das áreas passíveis de serem legalmente desmatadas têm potencial para uma agricultura produtiva. Estes números são fundamentais, pois significam que a melhor destinação para as superfícies pouco propícias a uma agricultura de alta produtividade é a regeneração florestal e a prestação dos serviços ecossistêmicos a ela associados. No Cerrado, a área ocupada atualmente por pastagens improdutivas já é suficiente para atender às demandas globais e domésticas por carne e grãos até 2040, sem a necessidade de novas conversões de áreas naturais, como mostra artigo de Bernardo Strassburg e colegas, publicado na Nature Ecology and Evolution.
31. Em suma, não há razões econômicas que justifiquem a persistência do desmatamento na Amazônia. O crescimento econômico e o vigor da agropecuária, mesmo a da Amazônia, não dependem do desmatamento. A perda da floresta é uma ameaça à agropecuária em todo o País e à oferta dos serviços ecossistêmicos dos quais todos (dentro e fora do Brasil) dependem. O próximo item examina quais seriam as perdas decorrentes da interrupção imediata do desmatamento. Não se trata, é importante assinalar, de examinar as políticas necessárias a tal finalidade, objetivo que não faz parte do escopo deste estudo. Trata-se sim de mostrar que as atividades econômicas prejudicadas pelo fim do desmatamento são aquelas de mais baixa qualificação e conteúdo em inteligência, informação e conhecimento.

[1] O trabalho do CIMI apresenta a lista completa destes projetos legislativos e seus autores
[2] Feltran-Barbieri, R. et al. Beyond the Amazon: agricultural expansion and deforestation in Brazil 2000-2016. Article submitted, under review process
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Ricardo Abramovay Professor do Departamento de Economia da FEA/USP, durante trinta anos. Professor Titular desde 2001. Atualmente, professor sênior do Programa de Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP. Autor de MUITO ALÉM DA ECONOMIA VERDE (Ed. Planeta Sustentável/Abril, São Paulo, 2012), revisto e publicado pela Routledge (Londres) em 2016 sob o título de BEYOND THE GREEN ECONOMY. Twitter: @abramovay - e-mail: abramov@usp.br Blog: http://ricardoabramovay.com/ Linha de pesquisa: desenvolvimento sustentável. Graduado em filosofia pela Universidade de Paris X Nanterre. Mestre em política pela FFLCH da USP. Doutor em Ciências Humanas pelo IFCH/UNICAMP. Pós-doc: EHESS (Paris), Fondation Nationale des Sciences Politiques (Paris).
Fonte: https://outraspalavras.net/terraeantropoceno/amazonia-do-conhecimento-ou-da-ignorancia/?
Acesso em 24.08.2019, às 05;43 h.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Técnico Agrícola do Vale disputa a presidência do Conselho Federal


Mineiro do Vale do Jequitinhonha disputa a presidência do conselho federal dos técnicos agrícolas



No próximo dia 7 de setembro, será realizada eleição para a primeira diretoria executiva do Conselho Federal dos Técnicos Agrícolas (CFTA). A votação será das 6h às 22h, exclusivamente pela internet.


Um dos candidatos é o técnico agrícola Fabrício Sena, mineiro do Vale do Jequitinhonha, com a chapa ‘Vamos Conversar’. Além de técnico agrícola, Fabrício Sena é advogado e pedagogo, e uma das principais lideranças nacionais da nova geração para o meio rural. Os demais integrantes da chapa são Ademir João Santin, do Rio Grande do Sul; Carlos Roberto Alves, de Minas Gerais; Luciano Gonçalves da Silva, do Ceará; e Ozaneide Gomes dos Santos, de Pernambuco.


Fabrício Sena possui uma trajetória profissional que lhe possibilitou conhecer profundamente as demandas e especificidades da profissão. Após se formar pela escola agrícola Hagrogemito, em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, começou a trabalhar como monitor da Escola-Família Agrícola de Virgem da Lapa, também no Vale, onde conheceu de perto as dificuldades vivenciadas pelos jovens técnicos para ingressar no mercado de trabalho.

Depois passou no concurso público da Emater-MG, onde trabalhou por quase duas décadas como técnico em Agropecuária em vários municípios do interior do Estado, e como gerente regional na sede da empresa, em Belo Horizonte. “Nesse período tive o privilégio de vivenciar a experiência do trabalho em campo, que é tão importante para garantir o alimento na mesa dos brasileiros e para promover o desenvolvimento rural sustentável do País”, ressalta.

Em seguida, Fabrício Sena se mudou para o Distrito Federal, onde trabalhou como assessor parlamentar da Câmara dos Deputados, lotado como chefe de gabinete do deputado Zé Silva. “Foi uma experiência profícua, onde aprendi que tão importante quanto o trabalho de campo é ter pessoas que possam verdadeiramente representar nossa categoria nos espaços de decisão, assegurando nossos direitos”, completa Fabrício.

Nos últimos três anos, Fabrício Sena respondeu pela assessoria jurídica da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), sendo responsável pela gestão administrativa e por construir toda a legislação da Agência. “Com a experiência à frente da Anater, consolidei minha preparação para conhecer os caminhos e abrir portas para defender nossa categoria. Hoje estou pronto e disposição dos colegas técnicos agrícolas para conduzir os trabalhos do nosso Conselho Federal e representá-los junto às instâncias governamentais e administrativas em todo o País”, afiança.
1 de mai de 2019
Nossa pauta é o Conselho Federal dos Técnicos Agrícolas, que foi criado há mais de ... e deixe sua ...
Você visitou esta página em 21/08/19.

Entre as propostas para o novo Conselho, Fabrício Sena diz que vai instituir a gratuidade da documentação de registro junto ao Conselho para os técnicos agrícolas recém-formados, com 50% de desconto na anuidade do primeiro ano, com pagamento somente ao final do ano.

Fabrício também propõe a criação de um programa de formação para os técnicos agrícolas de todo o Brasil, promovendo a qualificação e atualização dos jovens técnicos e daqueles que estão há mais tempo atuando no mercado. “Também iremos criar um programa de estágio, aprendiz e trainee, em parceria com instituições de ensino e com as empresas de todo País, assegurando aos jovens estudantes uma melhor preparação para os futuros profissionais.

ELEIÇÃO

Conforme edital, a eleição para a diretoria executiva do Conselho Federal dos Técnicos Agrícolas será no dia 07 de setembro. Podem participar do processo todos os técnicos agrícolas registrados no Sistema Confea/CREA e habilitados nos termos do regulamento eleitoral, disponível no site da comissão eleitoral: www.eleicao-cfta.com.br



Com a aprovação pelo Senado e depois sancionada pelo Presidente da República, o Projeto de Lei criando o Conselho Federal e Regionais dos Técnicos Agrícolas, as dúvidas e os questionamentos dos técnicos agrícolas têm aumentado muito. Por esta razão, estamos preparando perguntas e respostas que serão divulgadas com a finalidade de orientar e esclarecer os técnicos agrícolas.

Por que um Conselho Próprio para os Técnicos Agrícolas? 

O desconforto dos Técnicos Agrícolas com os CREAs e o CONFEA é um fato histórico. As decisões aprovadas nos Plenários e nas Câmaras de Agronomia desses órgãos de fiscalização tem se caracterizado por serem injustas, parciais e autoritárias.
Os CREAs sempre ignoraram os técnicos agrícolas em suas decisões, impondo-lhes restrições cada vez maiores, com o único objetivo de dificultar o exercício profissional. Desde 1968, quando foi aprovada a lei que definiu o exercício da profissão – Lei nº 5.524/68 – Os técnicos agrícolas têm encontrado muitas dificuldades no seu relacionamento com os órgãos de fiscalização. 
Durante o período de luta pela regulamentação da profissão (conseguida através do Decreto nº 90.922), o CONFEA e os CREAs se utilizaram das estruturas e dos recursos financeiros arrecadados por todos seus integrantes, inclusive dos próprios técnicos agrícolas, para combater as nossas principais reivindicações, principalmente no que diz respeito ao exercício de nossas atribuições profissionais. 
A maioria dos direitos conquistados na Legislação tem sido sistematicamente negada pelo CONFEA e pelos CREAs, o que tem obrigado as entidades dos técnicos agrícolas (associações, sindicatos e FENATA) a recorrer ao Poder Judiciário para garantir o respeito ao seu cumprimento.
As dificuldades da profissão com os dirigentes dos órgãos de fiscalização profissional foi aos poucos alimentando a vontade unanime entre técnicos agrícolas de buscar sua desvinculação dos CREAs e do CONFEA, criando um CONSELHO PRÓPRIO, a exemplo da maioria de outras profissões. 
A FENATA seus Sindicatos e Associações estão nesta luta pela criação do Conselho Próprio dos Técnicos Agrícolas há mais de 30 anos. Finalmente, em 2018, conquistamos a tão sonhada “carta de alforria” com a aprovação pelo Senado, separando os conselhos (agrícola e industrial) e, desta forma, a sanção de nosso Conselho Próprio, pelo presidente da República. 

"Técnicos Agrícolas como protagonistas de seu Conselho Próprio"